domingo, 2 de maio de 2021

RELIGIÃO. AS DÚVIDAS SOBRE OS FILHOS DE JOSÉ E MARIA SERÃO ESTES OS IRMÃOS DE JESUS? Tiago, José, Judas, Simão e duas irmãs. O Messias pode ter tido uma família mais alargada, mas não

e Os mistérios sobre Jesus começam quase sempre com uma frase escrita pelos seus seguidores, transmitida ao longo dos séculos. Neste caso, falamos de mais de sete referências de diferentes autores (de Lucas a Mateus) aos quatro irmãos homens e às irmãs de Jesus Cristo. “Não é Ele filho do carpinteiro? Não se chama a Sua mãe Maria, e Seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Suas irmãs não estão todas entre nós?” (Evangelho de Marcos 6, 3-5). A frase parece não deixar margem para dúvidas, mas elas existem. A Igreja Católica e a Ortodoxa defendem que Jesus não teve irmãos de sangue e que esta referência não pode ser interpretada de forma literal. Armindo Vaz, professor da Universidade Católica, explica: “Não se pode esquecer de que os autores do Novo Testamento, usando a palavra grega adelfós para designarem os ‘irmãos’ de Jesus, tinham como pano de fundo o contexto, a cultura, o pensamento, a mentalidade e o suporte das línguas hebraica e aramaica no Antigo Testamento, em que a palavra correspondente tem o significado amplo de parentesco de sangue, consanguíneo, em vários graus.” O sacerdote carmelita teresiano acrescenta ainda que “os textos não foram escritos para dar resposta a essa questão.” Já José Brissos-Lino, professor e diretor do mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, não tem dúvidas de que Jesus teve irmãos. “A Bíblia afirma exatamente isso, que Jesus tinha irmãos.” E acrescenta: “O termo grego usado é adelfós, que literalmente significa ‘irmão’. Etimologicamente adelfós significa couterino, ou seja, filho da mesma mãe.” O especialista diz que são vários os exemplos (ver caixa) e deixa outro: “Em Lucas 2, 7 diz-se que Maria deu à luz o seu filho primogénito. Se Maria não tivesse tido outros filhos, Lucas poderia ter usado ‘unigénito’.” Sem provas mais substanciais do que as palavras escritas pelos apóstolos e evangelistas, a caça à verdade torna-se complicada. O normal para uma família naquela época era ter vários filhos e é em busca de provas arqueológicas que trabalham os investigadores, como o académico, especializado em grego bíblico e nas origens do cristianismo, Geoffrey Smith. Em 2017, em conjunto com o investigador Brent Landau, descobriu fragmentos – datados do séc. V e VI – que relatam mais detalhes da relação de Jesus com o seu irmão Tiago. “Estes novos fragmentos do First Apocalypse of James [Primeiro Apocalipse de Tiago, uma parte deste texto foi descoberta pela primeira vez em 1945] retratam Tiago como um líder – o segundo professor. Jesus diz a Tiago que ele também vai sofrer e conforta-o quando percebe que estas notícias sobre este facto o angustiam”, diz à SÁBADO Geoffrey Smith. Para o professor da Universidade de Texas, não há dúvidas de que Jesus tenha tido irmãos. “Os quatro evangelhos, os Atos dos Apóstolos e o apóstolo Paulo fazem referência aos irmãos de Jesus. Também existem referências aos irmãos nos escritos mais antigos do início do cristianismo, fora do Novo Testamento. Tem de haver uma verdade nestes relatos.” Há quem veja as coisas de outra forma. A Igreja Católica discorda desta posição. José Carlos Carvalho, doutor em Teologia Bíblica, da Universidade Católica, defende que o “silêncio das fontes” faz com que tudo o que se possa analisar dos textos seja espe- “A BÍBLIA AFIRMA EXATAMENTE ISSO, QUE JESUS TINHA IRMÃOS”, DIZ JOSÉ BRISSOS-LINO RELIGIÃO. AS DÚVIDAS SOBRE OS FILHOS DE JOSÉ E MARIA SERÃO ESTES OS IRMÃOS DE JESUS? Tiago, José, Judas, Simão e duas irmãs. O Messias pode ter tido uma família mais alargada, mas não há consenso. ? g “Aqui estão minha mãe e meus irmãos!”, terá dito Jesus ? ?www.sabado.pt www.sabado.pt 31 MARÇO 2021 77 culação. “A Igreja Católica não reconhece essa hipótese [da existência de irmãos biológicos], tal o desacordo na arqueologia bíblica e na avaliação pelos pares na comunidade científica, mas também porque os nomes de José, Tiago e Jesus eram muito comuns no judaísmo palestinense do primeiro século.” Mas há mais uma peça no puzzle desta família que convém analisar. O desacordo sobre a leitura dos textos antigos prende-se apenas com um debate linguístico? Há quem defenda que não. A virgindade eterna de Maria José Brissos-Lino explica que a dificuldade em aceitar os irmãos prende-se com um dogma da Igreja Católica. “A polémica reside no dogma que a Igreja Católica estabeleceu no séc. VII, no Concílio de Latrão, em que afirma a ‘real e perpétua virgindade de Maria mesmo no ato de dar à luz a Jesus, o Filho de Deus feito homem’. Segundo essa lógica, se Maria continuou virgem também depois de ter dado à luz Jesus, não pode ter tido outros filhos.” O professor acrescenta mais detalhes sobre a relação do casal Maria e José. “José (...) recebeu em casa sua mulher. Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho.” Que quer isto dizer? “‘Conhecer’, na Bíblia, significa ter relações sexuais. O texto bíblico em si não exclui que depois do nascimento de Jesus, Maria tenha tido outros filhos.” Da mesma opinião é Bruce Chilton, professor no Bard College, com doutoramento em Novo Testamento, da Universidade de Cambridge. “A controvérsia sobre o termo ‘irmãos’ ou ‘irmãs’ deriva da doutrina que surge anos depois dos “JESUS DIZ A TIAGO QUE ELE TAMBÉM VAI SOFRER E CONFORTA- -O QUANDO PERCEBE QUE ESTAS NOTÍCIAS O ANGUSTIAM” Simão, irmão de Jesus, poderá ser a mesma pessoa que Simão, o Zelote. Há quem defenda que ele seja meio-irmão ou até primo de Jesus SERÃO ESTES OS IRMÃOS DE JESUS? Tiago, José, Judas, Simão e duas irmãs. O Messias pode ter tido uma família mais alargada, mas não há consenso. Por Vanda Marques Q PUB “A IGREJA CATÓLICA NÃO RECONHECE ESSA HIPÓTESE [OS IRMÃOS], TAL O DESACORDO NA ARQUEOLOGIA BÍBLICA” PUBwww.sabado.pt www.sabado.pt 31 MARÇO 2021 78 Sociedade acontecimentos, e que define que Maria se mantém virgem antes, durante e depois do nascimento de Jesus. Mas as referências de Paulo e Marco, secundadas por Mateus 13, 55-56 e João 7, 3, deixam claro que isto é mais do que uma mera hipótese, e que era aceite como um facto pelos contemporâneos de Jesus”, diz à SÁBADO o autor de Rabbi Jesus: An Intimate Biography. O professor José Carlos Carvalho defende outra posição: “A virgindade de Maria após o parto resulta de uma leitura cristã que prolonga no tempo o ato de fé que a virgem de Nazaré realizou no momento da Anunciação.” Além disso, acrescenta que Maria “devotou todas as forças, toda a inteligência, toda a atenção, toda a sua vida para refletir sobre a vocação daquele seu Filho único tão especial, não querendo, por isso, distrair-se com outros filhos.” Meios-irmãos, outra hipótese Em paralelo têm surgido outras hipóteses de interpretação da palavra irmão, não só como companheiro, mas também como meio-irmão, ou seja, filhos de José com outra mulher, uma vez que ele era mais velho que Maria. Armindo Vaz refere que esta hipótese deve ser tida em conta: “Se alguns estudiosos, também por razões ideológicas, afirmam que os referidos ‘irmãos’ de Jesus eram irmãos biológicos, filhos do mesmo matrimónio de Maria com José, outros estudiosos, bem fundamentados, defendem que seriam irmãos de pai, que José teria tido em matrimónio anterior aos esponsais com Maria.” Se formos analisar como era a vida na época de Jesus, em Jerusalém, o expectável seria que Maria e José tivessem mais filhos. Como explica José Brissos-Lino: “Só não tinham filhos se um dos dois elementos do casal fosse estéril.” Além disso, ter filhos era uma bênção divina. O especialista norte-americano Bruce Chilton não põe de lado a hipótese de Jesus ter tido meios-irmãos. “Ter quatro irmãos e irmãs que sobreviveram até à idade adulta parece-me menos usual, a não ser que tenha existido um segundo casamento.” Tiago, Simão, José e Judas O irmão de quem conhecemos mais detalhes teve um fim trágico. Apedrejado até à morte, foi assim que Tiago morreu, no ano de 62. Ele era o líder da Igreja em Jerusalém, incómodo para os poderosos, porque pregava contra os ricos. No início não acreditava em Jesus, tal como os outros irmãos. “Quando os seus familiares ouviram falar disso [milagres], saíram para trazê-lo à força, pois diziam: ‘Ele está fora de si’”, lê-se no Evangelho de Marcos. No entanto, Tiago tornou-se num dos maiores defensores da Igreja. Seguia as regras à risca – não comia carne, rezava até ficar com os joelhos duros – e era devoto aos pobres. Pregava, dizendo: “O homem rico morrera como uma flor no campo. Pois mal o sol nasça com o seu calor abrasador, que seca o campo, a flor morre e a sua beleza perece. Assim será o homem rico.” Apesar de ser de Tiago que existem mais detalhes, as provas arqueológicas parecem cada vez mais difíceis de encontrar. No passado mês de fevereiro, um grupo de investigadores, liderados pelo Kaare Lund Rasmussen, da Universidade Southern Denmark, concluíram que os ossos guardados na igreja romana de Santi Apostoli, não pertenciam a Tiago, como se pensava. Motivo: são 160 anos mais novos. E sobre os outros irmãos? Quase nada se sabe. Das irmãs nem se conhecem os nomes. José Brissos-Lino esclarece que, do ponto de vista teológico, o importante era a obra de Jesus Cristo. “Sabe-se muito pouco, por um lado, porque o foco dos evangelhos é em Jesus, o Salvador do mundo e o Messias de Israel, e, por outro lado, porque os textos bíblicos não são tratados de História mas apenas testemunhas da Revelação de Deus aos homens.” Como se trata de nomes comuns, existe também uma confusão de identidades. Por exemplo, Simão aparece referido como filho de Cléofas e primo de Jesus. Sobre José não há informações, apenas o seu nome. Menos ainda se sabe de Judas que “é referido na tradição como ‘irmão [do Senhor] segundo a carne’”, diz Armindo Vaz. O teólogo defende que “naqueles que são ditos ‘irmãos’ de Jesus, a questão importante é a de perceber com que tipo de parentesco seriam ‘irmãos’.” Fica mais um mistério por resolver até aparecerem  

lação. “A Igreja Católica não reconhece essa hipótese [da existência de irmãos biológicos], tal o desacordo na arqueologia bíblica e na avaliação pelos pares na comunidade científica, mas também porque os nomes de José, Tiago e Jesus eram muito comuns no judaísmo palestinense do primeiro século.” Mas há mais uma peça no puzzle desta família que convém analisar. O desacordo sobre a leitura dos textos antigos prende-se apenas com um debate linguístico? Há quem defenda que não. A virgindade eterna de Maria José Brissos-Lino explica que a dificuldade em aceitar os irmãos prende-se com um dogma da Igreja Católica. “A polémica reside no dogma que a Igreja Católica estabeleceu no séc. VII, no Concílio de Latrão, em que afirma a ‘real e perpétua virgindade de Maria mesmo no ato de dar à luz a Jesus, o Filho de Deus feito homem’. Segundo essa lógica, se Maria continuou virgem também depois de ter dado à luz Jesus, não pode ter tido outros filhos.” O professor acrescenta mais detalhes sobre a relação do casal Maria e José. “José (...) recebeu em casa sua mulher. Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho.” Que quer isto dizer? “‘Conhecer’, na Bíblia, significa ter relações sexuais. O texto bíblico em si não exclui que depois do nascimento de Jesus, Maria tenha tido outros filhos.” Da mesma opinião é Bruce Chilton, professor no Bard College, com doutoramento em Novo Testamento, da Universidade de Cambridge. “A controvérsia sobre o termo ‘irmãos’ ou ‘irmãs’ deriva da doutrina que surge anos depois doslação. “A Igreja Católica não reconhece essa hipótese [da existência de irmãos biológicos], tal o desacordo na arqueologia bíblica e na avaliação pelos pares na comunidade científica, mas também porque os nomes de José, Tiago e Jesus eram muito comuns no judaísmo palestinense do primeiro século.” Mas há mais uma peça no puzzle desta família que convém analisar. O desacordo sobre a leitura dos textos antigos prende-se apenas com um debate linguístico? Há quem defenda que não. A virgindade eterna de Maria José Brissos-Lino explica que a dificuldade em aceitar os irmãos prende-se com um dogma da Igreja Católica. “A polémica reside no dogma que a Igreja Católica estabeleceu no séc. VII, no Concílio de Latrão, em que afirma a ‘real e perpétua virgindade de Maria mesmo no ato de dar à luz a Jesus, o Filho de Deus feito homem’. Segundo essa lógica, se Maria continuou virgem também depois de ter dado à luz Jesus, não pode ter tido outros filhos.” O professor acrescenta mais detalhes sobre a relação do casal Maria e José. “José (...) recebeu em casa sua mulher. Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho.” Que quer isto dizer? “‘Conhecer’, na Bíblia, significa ter relações sexuais. O texto bíblico em si não exclui que depois do nascimento de Jesus, Maria tenha tido outros filhos.” Da mesma opinião é Bruce Chilton, professor no Bard College, com doutoramento em Novo Testamento, da Universidade de Cambridge. “A controvérsia sobre o termo ‘irmãos’ ou ‘irmãs’ deriva da doutrina que surge anos depois dos...

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