quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Cenários para 2030: As nove grandes metas para Portugal nesta década - EXPRESSO

ECONOMIA, EXPRESSO, SOCIEDADE Cenários para 2030: As nove grandes metas para Portugal nesta década Estudo da Fundação Calouste Gulbenkian “Foresight Portugal 2030” propõe duas estratégias diferentes para que Portugal vá além do que é hoje. Do território à educação e proteção social, do sistema financeiro às empresas, das infraestruturas à agenda digital e à saúde, eis os trajetos alternativos que o país pode fazer nos próximos dez anos 00:00 18 Fevereiro, 2022 | Anabela Campos, Isabel Vicente, Raquel Albuquerque e Sónia M. Lourenço A Fundação Calouste Gulbenkian avança três cenários para Portugal em 2030: um é no sentido da continuidade da situação atual e os outros dois são caminhos alternativos que o país pode fazer na próxima década para mudar de rumo. A análise prospetiva “Foresight Portugal 2030”, coordenada pelo economista José Félix Ribeiro e divulgada esta sexta-feira, detalha em vários sectores o que podem ser esses dois cenários alternativos de futuro. Atrair uma comunidade de teletrabalhadores estrangeiros Captar do estrangeiro mais alunos e professores para universidades, mais pessoas não residentes que queiram usar serviços de saúde especializados em que o país se distinga, mais reformados para residirem cá e centenas de milhares de teletrabalhadores estrangeiros que se fixem em vários pontos do território, exportando os seus serviços através da internet, é uma parte do melhor cenário que Portugal poderá viver em 2030. Para atrair essa comunidade de trabalhadores à distância é preciso, desde já, apostar numa política de vistos, espaços de coworking com preços competitivos e uma tributação dos rendimentos desse teletrabalho em condições atrativas. É também necessário valorizar as regiões de baixa densidade, além da Madeira e dos Açores, para que na próxima década seja possível lidar com a perda de população, a desertificação do interior, o abandono de terras e até a multiplicação de incêndios em lugares quase sem gente. No melhor cenário para o território em 2030, também a agricultura e a gestão da água seriam mais inteligentes: a bioeconomia posicionaria o país como fornecedor de alimentos de elevada qualidade e a economia circular da água, apostando em reservas estratégicas, águas reutilizadas, dessalinização e tecnologia para uso mais eficiente na agricultura, colocaria Portugal numa melhor posição. Emprego Reter trabalhadores mais velhos e evitar desperdício dos mais jovens Há já dez anos que o país não consegue garantir a substituição da população ativa e contributiva, porque há mais pessoas em idade para sair do mercado de trabalho do que para entrar. Com gerações cada vez mais pequenas e maior peso dos idosos, a população ativa encolhe ao ponto de quase só metade do país contribuir economicamente para o sistema. Aumentar a população ativa passa por reduzir o desemprego jovem, não só pelo desperdício de talento mas também pela pressão social acrescida que essa realidade traz, além de condicionar a saída de casa dos pais e a decisão de ter filhos. Para isso, é preciso prevenir o abandono escolar precoce, melhorar a entrada no mercado de trabalho (apostando em programas de formação que façam a ponte entre o ensino e o emprego ou em subsídios à contratação ou benefícios fiscais que estimulem a procura ativa de trabalho) e garantir uma melhor integração na sociedade, já que os mais novos tendem a ter contratos mais frágeis e uma proteção laboral quase inexistente. Mas não basta: o estudo defende a necessidade de manter os mais velhos mais tempo no mercado de trabalho, criando “uma segunda vida ativa” para os novos idosos. Isso passaria por dar subsídios temporários aos desempregados mais velhos para procurarem atividades mais adequadas às suas competências, diminuir impostos em idades mais avançadas para incentivar os trabalhadores a permanecer no mercado de trabalho até mais tarde e dar bónus financeiros a trabalhadores entre os 61 e os 65 anos. Educação e Formação Requalificar jovens licenciados sem empregabilidade Comparando com a Europa, o nível de escolarização continua baixo (40% dos residentes não têm mais de seis anos de escolaridade) e a percentagem da população com 15 e mais anos que não concluiu qualquer grau de ensino (7,6%) é elevada. Um dos maiores problemas é o número “excecionalmente elevado” de jovens que nem estudam nem trabalham: são 11% da população entre os 15 e 29 anos. Metade destes jovens tem baixa instrução, problemas de saúde, provém de famílias com baixos rendimentos e níveis de instrução, o que também exige políticas dirigidas a famílias com mais dificuldades económicas para evitar que as crianças e jovens tenham o seu futuro bloqueado desde cedo. Avançar com um programa de requalificação de jovens com ensino superior mas sem perspetivas de empregabilidade, com foco em profissões com forte procura no mercado de trabalho, e lançar um programa para jovens que tenham abandonado o ensino secundário para frequentarem cursos concebidos em conjunto com empresas multinacionais do setor das tecnologias de informação são duas das sugestões. Ciência, tecnologia, engenharia e matemática, enquanto sectores com potencial elevado de crescimento, deverão ser áreas prioritárias. No melhor cenário, em 2030, Portugal teria uma nova abordagem de internacionalização do ensino superior e da investigação, apostando em parcerias de universidades portuguesas com estrangeiras que liderem áreas científicas e tecnológicas essenciais, convidando professores e enviando alunos portugueses. Sistema Financeiro Banca com novo modelo de negócio O sistema bancário em Portugal debate-se com uma exigência incontornável: crescer e diversificar a oferta, expandir negócio e adaptar atividade tradicional ao mundo digital, com pesados custos de investimento. A banca comercial está muito limitada, devido ao seu historial de reestruturação decorrente das últimas crises, em apoiar investimento de longo prazo mais arriscado e fundamental à modernização e criação de riqueza. Centrando-se em operações de crédito com menos risco, como o crédito à habitação e ao consumo e o investimento em dívida pública. O estudo alerta para “a exigência de um outro tipo de financiamento da economia”, destacando “o reforço do papel do mercado de capitais, do papel de fundos financeiros especializados e da criação de novos instrumentos financeiros à disposição de empresas para investimento em inovação”. Esta nova dinâmica reduziria a concentração de risco no balanço dos bancos, desenvolvendo-se novos mecanismos de intermediação, novos instrumentos de financiamento alternativos aos oferecidos pelo mercado bancário. Por outro lado, o estudo, também dá nota de que “o desenvolvimento do mercado de capitais integrados criaria condições capazes de favorecer uma reforma dos sistemas de Segurança Social, que enfrentam problemas crescentes de sustentabilidade”. E incentiva de alguma forma a necessidade de uma maior interação entre o sistema financeiro e os sistemas de proteção social, incluindo poupanças, sob pena de se desperdiçar um leque de investidores institucionais e fundos de investimento interessados em investir em ativos de retorno mais longo. Mais capitalizados, os bancos em Portugal têm uma gestão marcadamente ibérica, dois bancos de capital espanhol, um banco com capital angolano e chinês. Neste contexto a criação de um Banco de Fomento é positivo, dando o estudo nota de que este terá um papel fundamental na capitalização de empresas como parceiro da banca comercial destinado a potenciar o recurso das empresas aos mercados de capitais. Já que a banca comercial está fortemente condicionada a financiamento com garantias reais. Especialização internacional e infraestruturas Apostar no hidrogénio e na economia da saúde Desenvolver quatro polos em áreas tecnológicas orientadas para a exploração de novas fronteiras – aeronáutica, espaço exterior, oceano profundo e energia –, com projetos plurianuais de grande dimensão realizados em parcerias internacionais, é um dos vectores-chave da oferta internacional da economia portuguesa no melhor cenário para 2030. Ao nível da energia, destaque para a aposta no hidrogénio sustentável e num programa de desenvolvimento de baterias. Outro vector passa pelas plataformas industriais orientadas para o desenvolvimento e produção de soluções inovadoras em energia e mobilidade, como as que assentem na “economia do hidrogénio”, bem como para a conceção e fabrico de produtos para o sector da saúde (equipamentos, dispositivos e consumíveis), aproveitando a relocalização destas atividades para fora da região Ásia/Pacífico (nomeadamente da China), por parte das principais multinacionais do setor. O desenvolvimento de plataformas de serviços exportadores é o terceiro vector, centradas, por um lado na oferta de serviços prestados às empresas à distância na era digital – com instalação em Portugal de centros de investigação, transformando o país numa base de trabalho para centenas de milhares de cibertrabalhadores, e articulando a base industrial exportadora portuguesa com mais tradição num abastecedor das plataformas globais presentes no retalho eletrónico – e, por outro, no turismo e lazer e em serviços de saúde para não residentes – atraindo para Portugal novos residentes sénior, quer a tempo integral quer a tempo parcial. Por fim, o quarto vetor passa pela renovação da base de recursos naturais, através das bioindústrias, capitalizando a mudança nos hábitos alimentares. Ao nível das infraestruturas, o melhor cenário para 2030 dá prioridade aos investimentos para a adaptação às alterações climáticas, nomeadamente ao nível dos recursos hídricos e gestão da água, à proteção costeira e à intervenção nas zonas estuarinas com maior concentração de população e de ativos, em detrimento investimentos em meios de transporte e infraestruturas pesadas em capital fixo. Outra aposta são as infraestruturas de telecomunicações e audiovisual, com papel central para as redes 5G, e uma mudança de paradigma energético, privilegiando o hidrogénio, a utilização em larga escala das fuel cells, e reduzindo a dependência de redes elétricas centralizadas – mais vulneráveis a ciberataques. Por fim, ao nível dos transportes é defendida o adiamento da linha de TGV Lisboa-Madrid, dando prioridade à construção de um novo aeroporto em Lisboa na zona do campo de tiro de Alcochete, bem como mantidos pela TAP os voos para a América do Norte e do Sul, além dos voos no interior da UE e para África. Proteção Social Mais fontes de financiamento Por cada pensionista, a Segurança Social tinha 1,85 contribuintes em 2013. Estima-se que em 2050 sejam apenas 0,7 por cada pensionista. A alteração da pirâmide etária e o envelhecimento da população têm já hoje consequências e, se não houver mudanças, o país chegará a 2030 com um maior risco de ter de intervir na Segurança Social para cobrir défices. Uma reforma na próxima década passaria por diversificar as fontes de financiamento do sistema, reforçar a componente de capitalização da Segurança Social de forma complementar ao atual regime de repartição e com gestão assegurada por sociedades gestoras de fundos, generalizar o regime de hipotecas reversíveis (para monetizar o património imobiliário que os proprietários possam usar para reforçar a proteção face à doença) ou até, sugere o estudo, tornar possível a quem tenha uma segunda casa colocá-la em alojamento local e beneficiar de isenção de impostos caso use o valor da renda para reforçar a cobertura de riscos de saúde ou de pensões complementares de reforma. Também o Serviço Nacional de Saúde (SNS) sentirá o peso de uma população envelhecida com uma procura crescente por cuidados de saúde, aumentando a despesa e, por isso, exigindo orçamentos cada vez maiores para reforçar o SNS. Num cenário de transformação, Portugal chegaria a 2030 com uma reforma dos cuidados de saúde primários, recorrendo mais a recursos digitais (para monitorização de parâmetros dos utentes e contacto entre doentes e médicos de família). Além disso, sugerem, poderia haver maior articulação do SNS com redes convencionadas de seguradoras privadas e com um seguro universal de saúde, que cobriria a maior parte das despesas de saúde dos cidadãos com os prestadores de sua escolha. Esse seguro seria da responsabilidade das famílias, cofinanciadas durante a vida ativa dos seus membros por contribuições patronais e contando com subvenções do Estado, diferenciadas conforme o rendimento das famílias. “O Estado funcionaria igualmente como ressegurador das companhias de seguros que disponibilizassem esse seguro universal, face a um conjunto de situações de tratamento de doença envolvendo custos muito elevados, a definir previamente.” Estrutura e financiamento das empresas A bolsa como alternativa é imperioso Uma estrutura empresarial pulverizada, dominada por empresas familiares (quase 70%), assente numa escassez de grandes empresas (0,098% do total) e demasiado concentrada em microempresas, sem dimensão para otimizar processos e obter economias de escala — mas responsáveis por 45% do emprego e com uma produtividade cerca de um terço da média das PME — e financiada, sobretudo, por capital próprio e pela banca, é este, em resumo, o retrato do tecido empresarial português. Marcado também por uma reduzida profissionalização e sofisticação financeira das lideranças, baixos salários e fraca produtividade e uma crónica falta de capital, que limitam o seu desenvolvimento. Características que explicam “alguma aversão das empresas ao financiamento em bolsa” e apontam para a reduzida importância do capital de risco, deixando as empresas demasiado dependentes da banca e do crédito bancário para crescer. Recorrer à banca é uma tradição no tecido empresarial português, que tem levado o mercado de capitais de definhar nos últimos anos. O crédito bancário é cerca de 63% do financiamento das empresas portuguesas, revela o estudo. Agenda Digital Menos deslocações e mais serviços à distância Em vez de apenas investir na literacia digital da população e na modernização de empresas e administração pública, Portugal pode chegar mais longe em 2030: ter mais empresas a prestar serviços digitais no exterior, reduzir as necessidades de mobilidade ao aumentar a utilização de serviços à distância (com redes 5G) e, no limite, criar um polo de competências em computação avançada, ciência dos dados e inteligência artificial na saúde, em parceria com empresas tecnológicas dos Estados Unidos. Posição geoeconómica Da UE para fora da Europa Portugal está atualmente muito ligado à União Europeia, concentrando as suas relações com Espanha, França e Alemanha. O alcance é limitado nas oportunidades de comércio, investimento e transferência de tecnologia com países de fora da UE, como Reino Unido, Estados Unidos, Japão e Israel. Até 2030, poderá manter esse perfil de país periférico, integrado no espaço ibérico e dependente da UE, ou então, sugere o estudo, apostar em relações de comércio, investimento, tecnologia e atração de talentos, com “economias prósperas e inovadoras”, como os Estados Unidos, Canadá, Japão, Índia, Israel e Emirados Árabes Unidos.

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