«O dr. Cavaco consumiu vinte minutos, no Centro Cultural de Belém, a
esclarecer os portugueses que não havia português como ele. Os
portugueses, diminuídos com a presunção e esmagados pela soberba,
escutaram a criatura de olhos arregalados. Elogio em boca própria é
vitupério, mas o dr. Cavaco ignora essa verdade axiomática, como,
aliás, ignora um número quase infindável de coisas.
O discurso, além de tolo, era um arrazoado de banalidades, redigido
num idioma de eguariço. São conhecidas as amargas dificuldades que
aquele senhor demonstra em expressar-se com exactidão.
Mas, desta vez, o assunto atingiu as raias da nossa indignação.
Segundo ele de si próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto
de êxitos políticos e de realizações ímpares.
E acrescentou que, moralmente, é inatacável..
Mas, desta vez, o assunto atingiu as raias da nossa indignação.
Segundo ele de si próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto
de êxitos políticos e de realizações ímpares.
E acrescentou que, moralmente, é inatacável..
O passado dele não o recomenda. Infelizmente. Foi um dos piores
primeiros-ministros, depois do 25 de Abril. Recebeu, de Bruxelas,
oceanos de dinheiro e esbanjou-os nas futilidades de regime que,
habitualmente, são para "encher o olho" e cuja utilidade é duvidosa.
Preferiu o betão ao desenvolvimento harmonioso do nosso estrato
educacional; desprezou a memória colectiva como projecto ideológico,
nisso associando-se ao ideário da senhora Tatcher e do senhor Regan;
incentivou, desbragadamente, o culto da juventude pela juventude,
característica das doutrinas fascistas; crispou a sociedade portuguesa
com uma cultura de espeque e atrabiliária e, não o esqueçamos nunca,
recusou a pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos mais
abnegados heróis de Abril, atribuindo outras a agentes da PIDE, "por
serviços relevantes à pátria." A lista de anomalias é medonha.
Como Presidente é um homem indeciso, cheio de fragilidades e de
ressentimentos, com a ausência de grandeza exigida pela função. O
caso, sinistro, das "escutas a Belém" é um dos episódios mais vis da
história da II República. Sobre o caso escrevi, no Negócios, o que tinha
de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha,
minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos
e por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente
emocrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.
de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha,
minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos
e por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente
emocrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.
O lastro de opróbrio, de fiasco e de humilhação que tem deixado atrás de si, chega para acreditar que as forças que o sustentam, a manipulação a que os cidadãos têm sido sujeitos, é da ordem da mancha histórica.
E os panegíricos que lhe tecem são ultrajantes para aqueles que o antecederam
em Belém e ferem a nossa elementar decência.
em Belém e ferem a nossa elementar decência.
É este homem de poucas qualidades que, no Centro Cultural de Belém,
teve o descoro de se apresentar como símbolo de virtudes e sinónimo de imputabilidade.
É este homem, que as circunstâncias determinadas pelas torções da História alisaram
um caminho sem pedras empurraram para um destino que não merece.
Triste República, nas mãos de gente que a não ama, que a não desenvolve, que
a não resguarda e a não protege!
É este homem, que as circunstâncias determinadas pelas torções da História alisaram
um caminho sem pedras empurraram para um destino que não merece.
Triste República, nas mãos de gente que a não ama, que a não desenvolve, que
a não resguarda e a não protege!
Estamos a assistir ao fim de muitas esperanças, de muitos sonhos acalentados,
e à traição imposta a gerações de homens e de mulheres.
É gente deste jaez e estilo que corrói os alicerces intelectuais, políticos e morais
de uma democracia que, cada vez mais, existe, apenas, na superfície.
O estado a que chegámos é, substancialmente, da responsabilidade deste cavalheiro
e de outros como ele. Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se apresenta
de uma democracia que, cada vez mais, existe, apenas, na superfície.
O estado a que chegámos é, substancialmente, da responsabilidade deste cavalheiro
e de outros como ele. Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se apresenta
como candidato ao mais alto emprego do Estado, não tenha, nem agora nem antes,
actuado com o poder de que dispõe?
Como é possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que escreveu
o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser atenuante.
Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.
actuado com o poder de que dispõe?
Como é possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que escreveu
o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser atenuante.
Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.
Um amigo meu, fundador de PSD, antigo companheiro de Sá Carneiro eleitor omnívoro de literatura de todos os géneros e projecções, que me dizia:
"Como é que você quer que isto se endireite se o dr. Cavaco e a
maioria dos políticos no activo diz 'competividade' em vez de
'competitividade' e julga que o Padre António Vieira é um pároco
de qualquer igreja?"
de qualquer igreja?"
Pessoalmente, não quero nada. Mas desejava, ardentemente desejava, ter um Presidente da República que, pelo menos, soubesse quantos
cantos tem "Os Lusíadas."»
cantos tem "Os Lusíadas."»
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