Expresso
A forma como comemos carne (sobretudo carne de vaca) está no epicentro das duas grandes crises deste século: o pesadelo ecológico e a covid. Se fossem um país, as vacas seriam um dos grandes emissores de gases com efeito de estufa. E a covid mostra como a alimentação da civilização mais avançada, o Ocidente, criou um lastro de obesidade facilmente aproveitável por um vírus que mata pessoas com estas comorbidades geradas na alimentação
22 NOVEMBRO 2021 10:57
Não sou vegan ou vegetariano. Acho que o animalismo é uma moda ou doutrina sem sentido e até perigosa, pois está associada à dessacralização da vida humana. No entanto, poucas coisas me impressionaram tanto neste ano como esta reportagem sobre a casa do horror dos animais: um matadouro nos EUA, que não é de certeza diferente dos matadouros em Portugal ou na Europa.
Só pode estar doente a civilização que despreza assim o bem-estar animal e a forma como mata a carne que come. Temos de comer carne, sim, mas não desta forma. Sim, temos de matar animais para a nossa alimentação, mas não desta forma horrenda. Seres vivos que vamos comer não pode ser tratados como qualquer outro bem transacionável. E tudo está relacionada, claro, com a forma como comemos carne em excesso. A ideia de que um prato tem de ser de carne ou de peixe é, para começo de conversa, uma sobrecarga ecológica.
A produção de gado em massa, sobretudo bovino, tem consequências dramáticas na ecologia: a desflorestação e a emissão de gases com efeito de estufa. Como corrigir isto? Três mudanças são relativamente fáceis de fazer. Em primeiro lugar, como sugeri há dias noutro espaço, podíamos voltar a introduzir o ritual religioso do jejum em relação à carne à sexta-feira, pelo menos. Teologia rima sempre com ecologia. Em segundo lugar, podemos e devemos comer outro tipo de carne, coelho, cabra, ovelha, peru. Em terceiro lugar, claro que não podemos simplesmente substituir a morte industrial de vacas pela morte industrial de coelhos. A questão de fundo, portanto, passa por sabermos comer outras coisas. Não temos de comer carne todos os dias, há feijão, há cogumelos, há ovos, há mil e uma coisas.
A forma como comemos carne (sobretudo carne de vaca) está no epicentro das duas grandes crises deste século: o pesadelo ecológico e a covid. Se fossem um país, as vacas seriam um dos grandes emissores de gases com efeito de estufa. E a covid mostra como a alimentação da civilização mais avançada, o Ocidente, criou um lastro de obesidade facilmente aproveitável por um vírus que mata pessoas com estas comorbidades geradas na alimentação. O nosso avanço civilizacional representou um retrocesso alimentar e nutricional incompreensível, e a carne está no epicentro desse desastre.
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