quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
Quanto vale um terceiro vice-presidente da AR? || Expresso | Henrique Monteiro
OPINIÃO, POLÍTICA
Quanto vale um terceiro vice-presidente da AR?
Na velha telenovela ‘Gabriela’ – a primeira a ser exibida em Portugal, só havia RTP – uma das personagens principais, o senhor Nacib, imigrante libanês, ficava entusiasmado por ter sido eleito quarto secretário da Associação de Ilhéus, a terra baiana onde se passava a ação. Ora terceiro vice-presidente, sendo mais do que quarto secretário, não deveria valer tanta excitação
Share on FacebookTweet about this on TwitterShare on LinkedInEmail this to someone
09:27 9 Fevereiro, 2022 | Henrique Monteiro
Ventura pode ser tudo, menos parvo. Propôs o nome simultaneamente mais velho e mais à direita para vice-presidente do Parlamento. Fê-lo, porque sendo o terceiro partido mais votado das últimas eleições tem o poder constitucional de propor um vice-presidente.
O poder de propor é diferente do poder de nomear ou de esperar que ele seja eleito. A mesma Constituição diz que são eleitos aqueles que tiverem a maioria dos votos dos deputados. Se Pacheco de Amorim, o deputado do Chega em causa, não tiver a maioria dos votos, ponto final parágrafo. Não é eleito.
O Chega pode propor outros nomes, ou até o mesmo, até à exaustão, mas os deputados podem chumbar todos, até à exaustão.
Pacheco de Amorim, ao fazer uma declarações sobre a nossa ‘raça’ branca, caucasiana, ajudou à missa (salvo seja). Infelizmente, as políticas que na SIC o contrariaram (Margarida Marques e Joana Mortágua) não referiram o essencial do discurso racista. O essencial é que não há raças, há cores de pele e há culturas diferenciadas; porém, a genética veio mostrar-nos que pode haver mais similitude entre um finlandês e um negro do que entre um português e um finlandês. Ou seja, não sabemos ao certo como se distinguiu, pela cor, este conjunto de homo sapiens, cuja raça é, toda ela, apenas uma: a raça humana.
Porém, deixando isso de lado, não entendo como pode haver tanta excitação com o lugar de terceiro vice-presidente do Parlamento. Quantos sabem quem detinha, até agora, esse lugar? Muito poucos… certamente. Era José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, homem certamente mais estimável que Pacheco de Amorim, mas como ele católico.
Posto isto, qual a atitude mais correta por parte dos partidos? Há uma que me parece óbvia: não se pronunciar sobre o assunto, já que ele é objeto de voto secreto. Cada deputado deverá votar como entender. E, neste aspeto, as posições razoáveis podem dividir-se e antagonizar-se: votar não, para erigir ou manter um cerco sanitário a um partido indesejável, apesar de ter ficado em terceiro lugar; votar sim, por respeito aos eleitores que votaram no Chega e para demonstrar que, afinal, eles que diziam que rejeitavam o regime, lutam por entrar nele, e logo para vice-presidente da segunda figura do Estado.
O que não faz sentido, do meu ponto de vista, é ajudar a transformar o assunto numa questão central da política portuguesa. Ou sequer compará-la com o facto de António Costa receber todos os partidos menos o Chega. É que o primeiro-ministro indigitado recebe quem entende; nada está escrito em lado nenhum (ao contrário do Presidente, que tem de ouvir todos os partidos representados no Parlamento). Ao contrário, a Lei, neste caso a Constituição, diz que os quatro partidos mais votados – PS, PSD, Chega e IL – apresentam candidaturas a vice-presidente.
Ora, uma candidatura não é o mesmo que uma nomeação, como já disse; se a maioria dos deputados, bem ou mal, entende que deve copiar o que fez o Bundestag ou o Parlamento Europeu, vota contra; se pelo contrário se guiarem por parlamentos de outras latitudes – do neerlandês ao austríaco, passando pelos escandinavos e eslavos, deixa-os entrar. Porque o que aqui está em causa – ao contrário do que se passou com os exemplos de Nuno Abecasis ou de Fernando Nobre, já evocados no espaço público, não é a pessoa de Pacheco de Amorim que está em causa, mas o partido. O chamado ideólogo do Chega foi apenas uma boa jogada de Ventura para ver se pode vitimizar-se, mantendo-se fora do sistema.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário