Quando os mercados financeiros são notícia de telejornal como sucedeu no início da semana passada, normalmente é porque há quedas acentuadas a registar. E assim foi, os telejornais das 20 h de segunda-feira dia 24 de agosto abriram com a queda livre nos mercados bolsistas europeus, com perdas a rondar os (-) 4% e (-) 5%, depois do principal índice acionista da bolsa de Xangai, o Shangai Stock Exchange Composite índex ter perdido numa única sessão (-) 8,41%.
Se somarmos todas as perdas bolsistas noticiadas em telejornal, há muito que estaríamos para lá de perdas abaixo dos (-) 100%.
Até ao mês de junho, a performance acumulada desde o início do ano era de cerca de 60%, o que para qualquer mercado acionista é muito, mesmo para os mercados emergentes mais voláteis. Desde junho que este ganho se evaporou rapidamente em apenas algumas sessões de bolsa de perdas muito acentuadas, como a da segunda-feira da semana passada.
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Fonte: yahoo finance |
Se o tema China é relevante? Muito! Estamos perante a segunda maior economia mundial, medida por Produto Interno Bruto (PIB), terceira se considerarmos o PIB da zona Euro como um todo e não individualmente por país. Já há alguns anos que o “que acontece na China, não fica na China” e, tem impacto no mundo.
A China versão conversa de café
É um país com uma população que representa 20% da população mundial. Há muitos anos que nos habituámos a ver a etiqueta “made in China” em muitas peças de roupa e todo o tipo de bugigangas baratas que se compram por tuta-e-meia. Hoje em dia essas etiquetas já passaram também para a tecnologia de ponta, transformando a China numa economia que também compete com as economias dos países ditos desenvolvidos, mesmo mantendo para já a classificação de país emergente, atribuída principalmente pelo facto do PIB per capita ser ainda reduzido.
De lá tem saído para todo o mundo barato e cada vez com mais qualidade, e para lá tem ido também muito do que se produz e se exporta na Europa e Estados Unidos. Eles são muitos a produzir e claro, são também muitos a consumir. Contas feitas, a China está para o crescimento económico mundial como a água para quem tem sede.
China: economia real vs mercados
1. A economia real
Quando analisamos os principais indicadores da economia chinesa, estamos perante o sonho de qualquer país desenvolvido. Taxas de crescimento do PIB elevadas, inflação controlada, desemprego quase inexistente, com o Estado chinês pouco endividado em função do PIB do país, apresentando um rácio de 41,1%. No quadro abaixo é possível ver a evolução destes indicadores desde 2005, incluindo as estimativas para 2015 e 2016 realizadas pelo Fundo Monetário Internacional:
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Fonte: FMI, World Economic Outlook, abril 2015Para 2015 e 2016: estimativas FMI
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De relance percebe-se que a economia chinesa está a perder fulgor, em particular no que respeita ao crescimento económico, mas isso não é novidade para os agentes económicos, nem aparenta ser problemático desde que as previsões realizadas para os próximos anos não sofram alterações de relevo.
Isto dito, nem tudo são rosas. Há alguns indicadores que preocupam. O endividamento privado disparou na última década, ultrapassa hoje os 200% do PIB chinês, quando há 10 anos pouco ultrapassava os 100%. Tal representa um aumento da injeção de crédito na economia enorme, num período de tempo relativamente pequeno.
Adicionalmente, com mais crédito veio também uma maior percentagem de créditos em incumprimento, margens financeiras dos bancos a estreitar, deixando a banca chinesa sob pressão caso a tendência de agravamento quer do incumprimento, quer da redução de margens, se mantenha. Adicionalmente, as empresas cotadas em mercado que não são do setor financeiro têm hoje estruturas de capital muito mais assente no recurso a crédito de acordo com um estudo da Nomura datado do início do ano, com o rácio de dívida líquida sobre capitais próprios a aumentar de 25% em 2001 para mais de 55% em 2014. Adicionalmente, com exceção das principais cidades chinesas, o preço das casas tem vindo a descer desde o final de 2013.
Em suma, a economia chinesa não está na iminência de um colapso, algo que poderíamos aferir a partir das recentes quedas acentuadas no mercado acionista chinês, mas terá que aprender a lidar com uma economia cada vez mais endividada, evitando que no médio prazo possa suceder…. o que sucedeu em 2008 com a crise financeira ocorrida nos países desenvolvidos.
Em relação à China existe sempre alguma desconfiança quanto à fiabilidade dos dados macroeconómicos, seja pela dimensão do país ou pela suspeita de ajuste de dados pelas entidades oficiais. Por isso os agentes económicos estão atentos à implementação de medidas de carater monetário ou orçamental que o governo chinês ou o banco central têm vindo a implementar.
As recentes medidas implementadas pelo Banco Popular da China (o banco central do país) que vão desde cortes nas taxas de juro (a de empréstimos agora nos 4,6%, a de depósitos nos 1,75%), à diminuição das reservas legais para liquidez dos bancos ou a vontade de depreciar a sua moeda (o Yuan) ainda que de forma camuflada, indiciam uma preocupação maior com a economia chinesa do que os números oficiais aparentam. Estas medidas de estímulo permitem continuar a fomentar a concessão de crédito à economia (corte de taxas e reservas legais) e tornar as exportações chinesas mais baratas (desvalorização cambial).
Onde reside a preocupação dos países desenvolvidos? O mercado interno chinês tem sido um dos dínamos de crescimento de vendas e resultados para as empresas multinacionais europeias e norte-americanas, pelo que o abrandamento económico e o facto das exportações para a China chegarem lá a preços mais altos pelo efeito desvalorização do Yuan poderão penalizar as grandes multinacionais europeias e norte-americanas, e de forma geral, todas as outras empresas fornecedoras destas.
Se a economia chinesa tiver um problema grave, então a economia mundial também o terá. Não estamos lá e acreditamos que a economia chinesa continuará a ser um dos principais dínamos de crescimento económico mundial no longo prazo.
2. Já os mercados...
O preço das ações reflete o valor da empresa, fundamentado por aquilo que é o seu negócio hoje, e mais importante, por aquilo que será o seu negócio amanhã, dependendo por isso de expectativas que se formam. No entanto, alguns fatores de curto prazo podem distorcer a avaliação do preço das ações, como acreditamos tenha sucedido este ano no mercado acionista chinês. Na China existem várias praças onde são transacionadas ações.
Na China continental, as praças de Xangai e Shenzhen, mais as de Hong Kong e Taiwan.
Até ao ano passado, o mercado acionista de Xangai era essencialmente destinado a investidores locais, podendo estes negociar ações classificadas como sendo do tipo A, transacionadas em moeda local, o Yuan. Em Xangai são também transacionadas ações do tipo B em dólares americanos, reservadas a investidores estrangeiros com um conjunto de restrições, embora atualmente também os investidores locais já as possam transacionar. Em Hong Kong transacionam as ações do tipo H, em dólares de Hong Kong, até ao ano passado inacessíveis a investidores residentes na China continental.
Em 2014, o anúncio da ligação entre a bolsa de Xangai e Hong Kong, permitindo que investidores da China Continental comprem ações na bolsa de Hong Kong e que investidores sediados em Hong Kong e estrangeiros possam comprar ações do tipo A na bolsa de Xangai, juntamente com a flexibilização do crédito para a compra de ações, criaram as condições perfeitas para uma subida exponencial do mercado acionista chinês na primeira metade do presente ano. Pelo meio, um número elevado de ofertas públicas iniciais de empresas a querer colocar as suas ações no mercado de capitais, capitalizando na euforia em torno das ações chinesas.
Como qualquer bolha, teria que rebentar. Depois da euforia, o pânico. Foi o que sucedeu a partir de 12 de junho. A perceção de valorizações excessivas motivaram um sentimento de venda, agudizado rapidamente pelas margin calls(1) a quem se tinha endividado para investir em bolsa, forçados a vender na incapacidade de cumprir com as margens exigidas. O crédito para investir em ações na China atingiu este ano os 9% do free-float (2) de ações, quando em mercados desenvolvidos e maduros como o norte-americano não ultrapassam os 3%. Ainda que as autoridades chinesas tenham implementado um conjunto de medidas para evitar o colapso do mercado, o seu impacto foi insuficiente para controlar o pânico.
(1) Margin call(s) - é um termo utilizado no âmbito do investimento com recurso a crédito, ou de forma mais geral, ao investimento com recurso a alavancagem. Nos investimentos alavancados, apenas uma parte do investimento é de capitais próprios do cliente, pelo que, em função de uma eventual desvalorização do investimento, a perda potencial é deduzida aos capitais próprios. Quando a perda potencial se aproxima dos capitais próprios, é solicitado ao investidor que reponha o valor de capitais próprios para manter a posição. Ao pedido de reposição de capitais próprios chamamos habitualmente margin call.
(2) Free-float - é normalmente medido em percentagem e corresponde à quantidade de ações que está disponível para negociação de uma determinada empresa, dividida pelo total de ações emitidas. Excluem-se do free-float as ações que pertencem a acionistas estratégicos da empresa. Quanto maior o free-float de uma empresa, maior a sua liquidez.
(3) Underweight - quando aplicado a uma determinada classe de ativos, define o posicionamento relativo em relação ao peso que essa classe de ativos naturalmente deveria ter numa carteira. Neste caso, significa que o peso de uma determinada classe de ativos deverá ser inferior ao peso percentual dito normal. Neutral e Overweight complementam o leque de possibilidades, significando respetivamente ter o peso percentual natural em carteira, ou acima do peso percentual natural, respetivamente.
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