Helena Cristina Coelho
O ex-líder do britânico UKIP e um dos promotores do Brexit
sugere que os portugueses discutam uma eventual saída da União Europeia. Até
porque, avisa Nigel Farage, "a pressão vai voltar a Portugal".
Nigel Farage atravessa uma das salas do Hotel Palácio Estoril com o à vontade
de quem se sente em casa. Numa das mãos segura um copo de vinho tinto do Douro
e, debaixo do braço, leva uma pasta verde totalmente preenchida com as suas
anotações. “Sabia que a primeira
viagem ao estrangeiro que fiz na minha vida foi a Portugal?”,
comenta num tom entusiasmado. “Foi em 1968, tinha para aí cinco anos. E
lembro-me de tudo muito bem”, conta entre risos. Recorda-se da companhia da mãe,
das ruas de Lisboa e de ver as senhoras de penteados armados e vistosos a
passearem, de comer sardinhas, de conhecer o Algarve – “não era nada, nada do
que é hoje” – e de não encontrar mais do que dois campos de golfe, desporto a
que já se dedicou com mais afinco do que agora. Já voltou vezes sem conta a
terras portuguesas e, esta semana, foi mais uma.
O eurodeputado britânico de 53 anos, antigo líder do partido independentista UKIP,
analista político e pivot de um programa de rádio regressou a Portugal, numa
viagem-relâmpago, para participar nas Conferências do Estoril, onde debateu “futuros
alternativos para a Europa.” Sabe bem do que fala. Ele próprio, enquanto um dos principais defensores do Brexit,
promoveu um futuro alternativo para o Reino Unido e, indiretamente, relançou a
discussão sobre a União Europeia. No Parlamento Europeu, garante, vai vigiar
todos os passos das negociações, nas quais espera contar com pouca oposição dos
“amigos” portugueses, explicou durante a conversa com o Observador numa
esplanada do hotel.
Sempre em tom ácido, entre um e outro
cigarro, Farage não poupa críticas ao “fanfarrão” Jean-Claude Juncker (que já
presidiu ao Parlamento Europeu), chama “ridículo” a Michel Barnier (responsável
de Bruxelas pelas negociações do Brexit), recorda José Sócrates como uma
“desgraça” e Durão Barroso como um
“eurofanático” sem sentido de humor. Sobre Portugal, lamenta os
estragos que o euro fez — e ainda pode fazer — na economia e confessa que
gostaria de ver na agenda o debate sobre a saída da União Europeia. “Diz isso
tudo on the record?”, perguntamos.
“Claro que sim!”, reage. “Digo em público as mesmas coisas que digo em privado,
porque levo a sério tudo o que digo.”
Comentava ainda agora que é
muito triste ver o que uma moeda fez a um país como Portugal. O que quer dizer
com isso?
Quero dizer que o euro foi um erro enorme, não fez absolutamente nada pelo
país. Penso que só a Grécia conseguiu pior do que Portugal. Mas fico feliz por
saber que estão a recuperar algum crescimento, penso que este ano estarão a
crescer 1,7% ou perto disso, só que é a partir de uma base muito baixa. Isto
porque o crescimento é medido em comparação com as performances anteriores. E
em termos reais, se recuarmos a 1999, ano de nascimento do euro, e compararmos
a posição de Portugal com outros países, como Espanha ou Grécia, ou com a média
da zona euro, Portugal esteve muito mal.
"O Tratado de Lisboa tornou os países
maiores ainda mais poderosos e não houve muita coisa a mudar desde então. E o
Brexit é claramente a pior coisa que aconteceu na história do projeto da União
Europeia, claro que foi"
O que sugere então que
Portugal deve fazer?
Isso depende do que Portugal quer. Será que quer ser uma nação independente?
Quer abraçar devidamente o conceito de democracia — o que significa estar no
comando, cometendo erros, claro, mas tomando as rédeas do seu destino? Ou está
feliz por ser um minúsculo satélite numa zona euro dominada pela Alemanha? A
escolha é dos portugueses.
Considera então que,
permanecendo na União Europeia, Portugal está condenado a viver como um simples
satélite, dominado por países como a Alemanha? Não há outro caminho?
Nunca poderão ser mais do que isso, porque são muito pequenos. E a União
Europeia não dá especial relevância a países pequenos. O Tratado de Lisboa
tornou os países maiores ainda mais poderosos e não houve muita coisa a mudar
desde então. O Brexit é claramente a pior coisa que aconteceu na história do
projeto da União Europeia, claro que foi. Basta ver que a economia do Reino
Unido é maior do que as economias dos 20 estados-membros mais pequenos o que,
dito desta forma, é um grande acontecimento.
Os botões de
punho de Nigel Farage replicam a bandeira do Reino Unido e estão recortados
como um mapa. [foto Henrique Casinhas]
Mas não se arrepende de ter defendido o
Brexit?
Claro que não, antes pelo contrário! E queria o mesmo para o resto da União
Europeia. Eu tornei-me membro do Parlamento Europeu em 1999 e sempre achei que
o Reino Unido não encaixava naquele modelo. Pela nossa história, pelo nosso
sistema legal, pelas nossas relações com a Commonwealth, por tudo isso nunca
achei que o Reino Unido encaixasse… Mas sempre considerei que, se o resto da
União Europeia defendia este modelo, que assim fosse. Até ao tratado de Lisboa…
O que mudou?
O Tratado de Lisboa mudou totalmente a minha perspetiva sobre o projeto
europeu. Acho que aquilo que aconteceu na vossa cidade foi a coisa mais
desonesta a que assisti. Sócrates era o primeiro-ministro português na altura e
penso que ter a Constituição europeia rejeitada em referendos e depois
reimposta através do Tratado de Lisboa foi terrível. Então tornei-me opositor
de todo o projeto desde essa altura.
"Penso que os comentários que [Cavaco Silva]
fez na altura foram do mais nojento que já ouvi na minha vida, de total
desprezo pelo processo democrático, quer os partidos de esquerda se pudessem
juntar ou não"
E agora gostaria de convencer
os portugueses de que sair da Europa seria uma boa decisão?
Estou a tentar fazer duas coisas. A primeira é dizer: olhem, temos sido grandes
amigos há séculos, devemos continuar a ser e gostaria que Portugal assumisse
uma posição para renegociar com a União Europeia de que ainda faz parte e da
qual certamente ainda fará parte. Gostaria que Portugal se levantasse perante
os fanfarrões como Juncker ou os ridículos como Barnier, tudo gente má, muito
má, e gostaria que dissesse: porque não fazemos uma separação sensata? Porque
não fazemos um acordo comercial? Porque não temos mais reciprocidade? Por isso,
a primeira coisa que peço é que Portugal seja nosso amigo, nestas negociações,
como tem sido connosco e nós fomos tantas vezes com os portugueses.
E a segunda coisa?
O que queria dizer é que, em 2015, havia aqui a perspetiva de uma coligação
socialista-comunista…
… algo inédito no país.
Sim, mas o que foi mais revolucionário nem foi isso. O que foi, isso sim, foi o
comportamento do vosso presidente. Ele praticamente disse que a democracia não
importava. O importante era manter o percurso que se estava a seguir na altura.
Está a falar do antigo
presidente Cavaco Silva?
Sim. Penso que os comentários que ele fez na altura foram do mais nojento que
já ouvi na minha vida, de total desprezo pelo processo democrático, quer os partidos
de esquerda se pudessem juntar ou não. Penso por isso que é preciso reexaminar
todo este debate e questionar: o que é que Portugal quer ser?
O país não parece estar a
pensar nisso neste momento.
Entre os políticos, claro que não. Já estão todos ricos! Já estão todos a fazer
dinheiro… os políticos, os funcionários públicos, muitos nos media, nas grandes
empresas, esses estão todos bem.
Então o que é que teria de
acontecer para os portugueses mudarem de ideias? Até porque, como já comentou,
a situação económica está melhor, as perspetivas são boas…
As coisas estão melhores do que antes, mas continuam más comparando com o que
eram há dez anos. Temos de ser honestos: quando o ciclo se inverter e a crise
voltar, como a história inevitavelmente demonstra, a pressão sobre Portugal e a
Zona Euro vai voltar. Podem não ter este debate nos próximos três ou quatro
anos, mas precisam pelo menos de debater este tema. O país precisa de ter uma
conversa sensata sobre o que quer ser. Porque essa foi a motivação do Brexit.
Foi sobre identidade, democracia, controlo de fronteiras, foi sobre todas estas
coisas. E sim, Portugal tem estado muito bem mas, na verdade, a moeda pode ser
uma prisão por muitos anos… O país perde o controlo da política monetária, da
política de taxas de juro… Vamos ser sérios: a dívida pública portuguesa era de
127% do PIB, certo? Têm de voltar para 60%? Então têm mais 20 anos de
austeridade pela frente.
"Gostaria que Portugal se levantasse
perante os fanfarrões como Juncker ou os ridículos como Barnier, tudo gente má,
muito má, e gostaria que dissesse: porque não fazemos uma separação
sensata?"
Como é que isso é possível?
Vai ter de ser! Vai ter de ser se continuarem a seguir as regras do clube. É
para fazer como dizem os alemães. Quando o ciclo se inverter, os apertos serão
enormes, porque Portugal tem um problema muito grave com a dívida. E receio que
os países do norte da Europa encarem isso de forma pouco amistosa. Pondo a
questão a mais longo prazo: penso que seria muito melhor se fosse vocês a
controlar o vosso próprio destino.
E iniciar um ‘Portugalexit’?
Eu sei que não está na agenda hoje, mas defendo fortemente que deviam, pelo
menos, abrir esse debate.
Nigel Farage
falou com o Observador no Hotel Palácio Estoril, antes das Conferências do Estoril
onde participou num painel sobre futuros alternativos para a Europa. [foto
Henrique Casinhas]
Em relação ao Brexit, está a correr de
acordo com os seus planos?
Investimento direto estrangeiro em alta, mercado em alta, bolsa em alta, a
libra de novo a valorizar… duas dezenas de grandes países que querem fazer
acordos comerciais com o Reino Unido. Francamente, penso que as coisas não
podiam estar melhor.
E concorda com os termos que
Theresa May está a negociar com a Comissão Europeia para a saída?
Não sei quais são. Não faço a mínima ideia. Mas vejo o ridículo senhor Barnier
e o fanfarrão Juncker a dizer que nos vão exigir 100 mil milhões de euros… são
exigências ridículas! A atitude mais sensata, de gente crescida, é que o Reino
Unido tenha a melhor relação possível com os seus vizinhos do lado, com um bom
acordo de comércio. Mas se a União Europeia tornar isso impossível, nós
simplesmente afastamo-nos. Já a senhora May, que era pela permanência na União
Europeia, em princípio vai ganhar as próximas eleições como uma ‘brexiter’, o
que é irónico. Pode não ganhar por muito, mas seguramente vai ganhar.
"A atitude mais sensata é que o Reino Unido
tenha a melhor relação possível com os seus vizinhos do lado. Mas se a União
Europeia tornar isso impossível, nós simplesmente afastamo-nos. Já a senhora
May, que era pela permanência na União Europeia, em princípio vai ganhar as
próximas eleições como uma ‘brexiter’, o que é irónico"
Prometeu que, se o Brexit
fosse um desastre, deixaria o país…
Não vai acontecer, não vai ser um desastre! Acredito que podemos fazer do
Brexit um grande sucesso. Vamos tornar-nos globais e isso é muito
entusiasmante. A Europa é pequena, retrógrada e está fora de prazo, tem
regulação a mais, não está a funcionar.
Não receia a fuga das empresas
e dos centros financeiros para outros países com o Brexit?
Oh, por favor… eles estão a sair há anos, precisamente por causa das regras
europeias. Estão a ir para Singapura, para as Bermudas… A Europa não é assim
tão grande, é 15% da economia mundial. E no próximo ano vai ser 14% e depois
disso 13%… Os políticos europeus estão cheios de arrogância sobre o que a
Europa é. Esquecem-se que o mundo está a mudar muito, muito rapidamente. E o
Brexit liberta-nos para nos envolvermos nisso. Agora se os nossos governos são
inteligentes o suficiente para perceber isso, é outra conversa.
Conhece o primeiro-ministro
português, António Costa?
Não. Mas conheci o novo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres,
no outro dia. É um bom orador, muito bom, e tivemos um almoço muito agradável.
Conhecemo-nos no Parlamento Europeu. Discursou sem notas, o que é
impressionante. Mas conheci José Sócrates, na altura em Lisboa, e penso que ele
era uma desgraça absoluta. O Tratado de Lisboa foi uma desgraça…
E de Durão Barroso, que
opinião tem?
Durante dez anos estive sentado ao lado dele. Ou, durante dez anos, ele esteve
sentado ao meu lado. É uma questão de perspetiva. Penso que ele não gostou
muito… (risos) Ele é um eurofanático e já garantiu
uma boa reforma com o Goldman Sachs. Ele foi o homem que disse um dia que a
União Europeia se iria tornar num império global…
"Tento sempre ser amistoso com os meus
adversários." Mesmo dirigindo-se a Juncker como um fanfarrão ou chamando
ridículo a Michel Barnier? "Claro que sim! Eles são uns malandros,
comportam-se como uma mafia. Mas reconheço que o Juncker até tem sentido de
humor, algo que Durão Barroso nunca teve"
Theresa May e Jeremy Corbyn
deram entrevistas na noite de segunda-feira na televisão britânica. Assistiu?
Sim, vi. Penso que a senhora May foi pouco sincera. Ela é como aqueles galos
que servem de catavento, que mudam conforme o vento. E ela vai ganhar estas
eleições, porque está a usar a minha narrativa sobre o Brexit: “Não fazer um
acordo é melhor do que fazer um mau acordo” é uma frase minha e tudo o mais.
E de Jeremy Corbyn, o que
pensa?
Honestamente? Ele apareceu como sendo muito genuíno, o que ele realmente é… mas
é um caso perdido.
Não é muito simpático na
forma como avalia outros políticos…
Tento sempre ser amistoso com os meus adversários. Tento manter um nível
razoável de conversação.
Mesmo dirigindo-se a Juncker
como um fanfarrão ou chamando ridículo a Michel Barnier?
Claro que sim! Eles são uns malandros, comportam-se como uma mafia. Mas
reconheço que o Juncker até tem sentido de humor, algo que Durão Barroso nunca
teve. (risos
Confesso
admirador de Portugal, Nigel Farage já perdeu a conta às vezes que visitou o
país. A primeira aconteceu em 1968, na companhia da mãe. Elogia os produtos
portugueses, como o vinho, e não dispensa os sapatos feitos em Portugal. “São
os melhores” garante. [foto Henrique Casinhas]
Conheceu Donald Trump em Washington.
Como avalia a sua presidência até agora?
Penso que ele enfrenta uma série de obstáculos tremendos, penso que todo o
modelo político em Washington está desenhado para não ser modificado, tal como
o da União Europeia. Penso que tem sido muito duro para ele, mas a recente
visita dele ao estrangeiro, nove dias em viagem, correu muito bem. O discurso
dele em Riade, perante 50 dos maiores líderes muçulmanos, foi muito corajoso,
muito bom discurso. Parecia um estadista global de uma forma que poucas pessoas
acreditavam que ele seria capaz. Ainda tenho grande fé nele, continuo a dar-lhe
o meu apoio e acredito que ele vai gerar empregos e crescimento.
E quais os seus planos para o
futuro?
Politicamente, continuo no Parlamento Europeu. O Brexit vai ser negociado em
Bruxelas, não em Londres, e tenciono vigiar esse processo como um falcão, todos
os passos desse processo, e comentar sempre que necessário. Se conseguirmos o
Brexit nas condições certas, penso que a minha carreira na política está
completa, o meu objetivo foi atingido. Se a senhora May fizer asneira e
falharmos o Brexit, então voltarei, mais feroz do que nunca. E sim, isto é uma
ameaça. (gargalhada)
Texto de Helena
Cristina Coelho, fotografia de Henrique Casinhas.
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