terça-feira, 3 de maio de 2022

Ainda este ano Sines pode ter capacidade para reexportar gás para a Europa

Ainda este ano Sines pode ter capacidade para reexportar gás para a Europa, aponta o grupo de trabalho que nas últimas semanas estudou o assunto, num relatório a que o Expresso teve acesso 3 MAIO 2022 18:15 Miguel Prado Jornalista
Oplano foi desenvolvido ao longo das últimas semanas, juntando, num grupo de trabalho, o Porto de Sines, a REN – Redes Energéticas Nacionais, o Governo, entre outras entidades. E o resultado foi um relatório que elenca várias soluções de curto, médio e longo prazo para posicionar Sines como um dos braços da Europa no aprovisionamento de gás natural. O relatório lista os prós e contras de várias opções, bem como os custos envolvidos. Uma das soluções identificadas pelo grupo de trabalho permite vir a criar em Sines uma capacidade de reexportação de gás natural, com volumes inclusive maiores do que aqueles que Portugal importa para consumo interno. Portugal consome anualmente cerca de 5,5 mil milhões de metros cúbicos (5,5 BCM) de gás natural. Um investimento no Porto de Sines, com a ajuda de esforços diplomáticos, poderia acrescentar a essa capacidade de importação uma outra capacidade de recepção e reexportação imediata de até 6 BCM de gás natural. A reexportação poderá ser uma opção interessante e viável dado que vários portos no centro e norte da Europa não têm condições para receber navios metaneiros de grande dimensão, como os que Sines recebe, sendo um porto de águas profundas. Sines poderia então acolher mais navios de grande dimensão, com 150 a 200 mil metros cúbicos, redistribuindo (numa operação designada transhipment) o respetivo gás natural liquefeito (GNL, ou LNG, em inglês) por navios menores, de até 50 mil metros cúbicos, que entregariam o gás noutros destinos europeus. A 23 de abril o semanário “Nascer do Sol” já tinha avançado que o Governo estava a trabalhar com o Porto de Sines numa alternativa para levar gás ao Norte da Europa, partindo de uma ideia apresentada inicialmente pelo ministro da Economia, António Costa Silva, ao primeiro-ministro, António Costa. Esse trabalho resultou no relatório “LNG no atual contexto europeu e as oportunidades para o Porto de Sines”, um documento técnico que ficou pronto esta segunda-feira, 2 de maio, e ao qual o Expresso teve acesso. “O Porto de Sines dispõe de uma solução potencialmente imediata (que pode estar disponível num prazo até 6 meses se houver capacidade de pressão sobre os fornecedores dos materiais a adquirir), com uma capacidade de oferta de 4,5 a 6 BCM/ano sem interferir com a normal operação do terminal de GNL”, refere o relatório do grupo de trabalho, que foi coordenado por José Luís Cacho, presidente do Porto de Sines. Esta solução prevê que no atual terminal de GNL, operado pela REN, seja criada uma infra-estrutura para a descarga direta de gás de navios metaneiros de grande porte para embarcações de menor dimensão. Essa estrutura permitiria anualmente fazer operações ship to ship de até 1,8 BCM. A compra dos equipamentos de trasfega e defensas flutuantes e outros acessórios custaria 3 milhões de euros. O grupo de trabalho estima que possa estar operacional em seis meses. Mas a esta estrutura somar-se-ia uma outra estrutura, com a utilização de dois cais de acostagem fora do terminal de GNL da REN e com capacidade para processar anualmente até 4,5 BCM. Esta solução custaria 4,5 milhões de euros, incluindo as mangas, tubagem e coletores em terra. O grupo de trabalho prevê igualmente seis meses para implementar esta opção “se for agilizada com ajuda diplomática a aquisição de materiais junto dos fabricantes”. Energia: como a dependência da Rússia pinta a Europa em diferentes tons ECONOMIA Energia: como a dependência da Rússia pinta a Europa em diferentes tons Leia também A utilização destes dois cais de acostagem fora do terminal da REN permitiria a cada sete dias receber um navio com 150 mil metros cúbicos de GNL, que faria a transferência para três navios de 50 mil metros cúbicos cada em cerca de 19 horas. “No caso de um QFlex, navio utilizado pelo Qatar e com cerca de 216 mil metros cúbicos de GNL, a descarga para outros navios seria realizável em cerca de 27 horas”, pode ler-se no relatório. “Mesmo com um ritmo de um navio para descarga por semana estaria disponível uma capacidade teórica de 4,5 a 6 BCM sem interferir com a capacidade do terminal de GNL, ou seja, Sines ficaria com uma capacidade de receção de praticamente 10 BCM, metade do qual seria reexportável”, refere o documento. O relatório estima que a operação de enchimento de um navio com 50 mil metros cúbicos no terminal da REN custaria 242 mil euros (receita que ficaria em Portugal). OUTRAS OPÇÕES O estudo do grupo de trabalho também apontou uma hipótese de aplicação imediata, embora esta, por falta de escala, se apresente como pouco apelativa: trata-se de aproveitar as estruturas existentes no terminal da REN em Sines para fazer um carregamento de navios nos intervalos das operações normais de descarga de gás para o consumo nacional. Esta solução permitiria reexportar 0,4 a 0,6 BCM por ano, mas implicaria um investimento de 3,8 milhões de euros. O estudo desenhou ainda um cenário de médio prazo, que seria mais demorado, em termos de implementação, mais oneroso, mas também com condições para posicionar Sines como um ponto de exportação de gás natural e hidrogénio verde no futuro. Esta opção de médio prazo prevê aproveitar o terminal que a REN tem em Sines criando dois cais de acostagem (com caudais de enchimento de 8 mil metros cúbicos por hora), similares aos previstos na solução de curto prazo (esta fora do terminal da REN), mas com a vantagem de permitir que o navio metaneiro de maior parte (usado na importação de gás) não tenha de permanecer em Sines para a trasfega do gás. Nesta solução o GNL importado seria descarregado para o terminal da REN, permitindo ao navio metaneiro de imediato seguir para outras paragens, e posteriormente carregado dos tanques da REN para os navios de menor porte que levariam o gás para outros mercados europeus, de forma flexível. Teria também a vantagem de preparar Sines para uma futura exportação de hidrogénio verde. Europa recorre a África para reduzir compras de gás à Rússia em dois terços este ano ECONOMIA Europa recorre a África para reduzir compras de gás à Rússia em dois terços este ano Leia também Esta opção de médio prazo, sublinha o relatório, “é uma solução mais flexível que assegura melhor resposta logística”. Mas tem também custos acrescidos, já que implicará novos equipamentos mas também um reforço da capacidade das infraestruturas nacionais de gás. O investimento é estimado em 25 milhões de euros em equipamentos e tubagem, a que acresce a necessidade de reforçar a rede de gás com uma estação de compressão no Carregado, que custaria outros 25 milhões. O relatório estima que a adaptação das infra-estruturas em Sines leve até dois anos para este cenário, mas a estação de compressão no Carregado pode não estar disponível em menos de três anos. Para o longo prazo o grupo de trabalho também aponta possibilidades, como o reforço da interligação terrestre com Espanha. Isso permitiria escoar mais gás por gasoduto para o centro da Europa e diminuir o recurso à reexportação com pequenos navios. É ainda indicada a possibilidade de duplicação da capacidade de recepção de gás em Sines, com um novo cais de acostagem alinhado com o existente. QUAIS AS LIMITAÇÕES DA PROPOSTA PORTUGUESA? O grupo de trabalho reconhece que a abordagem para posicionar Sines como plataforma para redistribuir gás para a Europa se confronta com um conjunto de limitações, sendo a principal o facto de vários países já fazerem hoje o que Portugal planeia fazer, ou seja, o transhipment. “De imediato, as principais ameaças à proposta de Portugal poderão surgir de países como a Espanha, Grécia, Itália e/ou Lituânia/Noruega que têm já em curso este tipo de transhipment”, refere o relatório. Na análise de oportunidades e ameaças, são reconhecidas algumas fraquezas da abordagem nacional. Além de outros países europeus já explorarem soluções similares, há no mercado internacional uma escassez de embarcações disponíveis e o modelo económico-financeiro para a reexportação de gás é ainda “pouco robusto”. Além disso, Portugal tem apenas um terminal de GNL (Sines) e uma capacidade limitada de armazenagem (Espanha tem sete terminais do género), há investimento a realizar (dependente de várias entidades) e “não há armadores portugueses com metaneiros de bandeira nacional”, o que deixará a estratégia portuguesa totalmente dependente da vontade das empresas internacionais de usar Sines em detrimento de outros terminais na Europa. Contudo, a localização de Sines no Atlântico, no caminho (ou próximo dele) das exportações de gás dos Estados Unidos, da Nigéria e de outros produtos, o “suporte dos governos português e alemão” e o “baixo custo” de operação em terminais de GNL que Sines apresenta são apontadas como vantagens para posicionar Portugal no mercado da reexportação de gás.

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