terça-feira, 3 de maio de 2022
A UCRÂNIA salva Taiwan (por enquanto) - OPINIÃO - Henrique Raposo - EXPRESSO
A Ucrânia salva Taiwan (por enquanto)
Henrique Raposo
Henrique Raposo
A China olha para Taiwan da mesma forma que a Rússia olha para a Ucrânia, isto é, como uma parcela do território sagrado do império russo/chinês. Portanto, estão em jogo duas conceções de História. Pequim e Moscovo têm uma visão estática da nação ou império, aquilo que sempre foi russo ou chinês tem de permanecer russo e chinês; nesta perspetiva, estamos a falar de solos sagrados, solos que têm o sangue dos antepassados e que porisso são sagrados
3 MAIO 2022 10:12
Aquilo que pode acontecer em Taiwan supera em calafrios aquilo que já está a acontecer na Ucrânia. Como o próprio ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, Joseph Wu, reconheceu há dias na CNN, a Ucrânia é um teste para aquilo que pode suceder em Taiwan. De resto, esta entrevista de Joseph Wu ao programa GPS é reveladora: o tom e a substância da conversa é de alguém que sabe que está no momento histórico mais propício a uma invasão do seu país. O timbre de Wu é em si mesmo revelador do novo ar do tempo que seremos forçados a respirar nos próximos anos ou décadas.
Em primeiro lugar, Wu sabe que a China olha para Taiwan da mesma forma que a Rússia olha para a Ucrânia, isto é, como uma parcela do território sagrado do império russo/chinês. Portanto, estão em jogo duas conceções de História. Pequim e Moscovo têm uma visão estática da nação ou império, aquilo que sempre foi russo ou chinês tem de permanecer russo e chinês; nesta perspetiva, estamos a falar de solos sagrados, solos que têm o sangue dos antepassados e que por isso são sagrados. O que falha aqui nesta noção de honra e glória históricas? A liberdade e a própria noção de tempo.
Apesar das ligações históricas ao mundo “Rus” por razões étnicas, linguística e religiosas, os ucranianos de hoje querem ser europeus - e não russos, escolheram dessa forma em liberdade. Não há destino histórico programado, não há uma Nação com maiúscula acima dos povos concretos aqui e agora; é isso que os ditadores e as culturas políticas de Pequim e Moscovo não entendem, porque não aceitam precisamente a liberdade dos povos e o fluir do tempo, não aceitam uma decisão livre e consciente fora da grelha mental imposta pelo passado milenar. Os cidadãos de Taiwan não querem apenas a democracia, por oposição à ditadura chinesa; querem ser uma nação independente à margem do império chinês.
Em segundo lugar, Wu também já sabe outra coisa: o fracasso da Rússia na invasão da Ucrânia é um indicador que dá muito que pensar a Pequim. Perante a qualidade e bravura dos ucranianos, apoiados pelo Ocidente, Pequim fica a saber que, no século XXI, a invasão de um estado democrático e soberano é uma tarefa demasiado custosa e até embaraçosa para colossos. De igual forma, Wu sabe que, ao lado do exército, o povo ucraniano tem revelado um espantoso patriotismo que torna impossível a invasão. Mais uma vez, Wu avisa aqui Pequim: o povo de Taiwan terá a mesma resposta do povo da Ucrânia.
Só há um ponto que me parece duvidoso na perspetiva de Wu. A China é muito mais forte do que a Rússia na economia, até porque está interligada com o resto do mundo num nível de profundidade que a Rússia nunca alcançou. Nesse sentido, o resto do mundo e o próprio Ocidente terão mais pejo em lançar sanções sobre a China. Perante este cenário, Wu diz que a China está a perder poder económico, que já não é o gigante que cresce acima dos 10%, que tem imensas dificuldades e problemas e que, nesse sentido, não é tão poderosa como se pensa.
Bom, o problema aqui é que uma potência em declínio ou com uma perceção de fraqueza é muito mais perigosa no campo da guerra do que uma potência em ascensão e com uma perceção de força. Se estiver de facto numa trajetória descendente, como diz o MNE de Taiwan, então a China tornar-se-á mais perigosa no futuro próximo. A sensação de decadência e de fraqueza torna os impérios mais agressivos no exterior, até porque não há nada como uma guerra para esconder fracassos internos. E a China, ao contrário do que se tornou a sabedoria convencional no Ocidente, tem de ter problemas gigantescos para resolver. Não é um monólito de perfeição.
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