Educar em coligação
Inês Teotónio Pereira
Para evitar a anarquia
é importante que os pais entrem em negociações e cedências permanentes
O grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista das mães é que os filhos também são educados pelas pais e o grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista dos pais é que os filhos também são educados pelas mães. Raramente um dos pais tem o poder absoluto. Qualquer pai é obrigado a educar em coligação, o que força necessariamente a acordos, negociações, cedências, discussões, amuos ou divergências profundas. Na educação, o acordo entre as partes é fundamental ou a criança desgoverna-se, o governo cai, a anarquia instala-se e não há manifesto, mesmo que sejam 700 os anciãos subscritores, que meta ordem na casa.
O
principal fado dos pais é mesmo este: negociações
permanentes. Começa
logo com o nome. A escolha do nome é quase a mesma coisa que a escolha do
ministro das Finanças num governo de coligação: quem tem mais força foi quem
escolheu Vítor Gaspar, por exemplo. Com os pais é a mesma coisa: quem escolhe o
nome do primeiro filho está em vantagem. O segundo já é como a escolha do
ministro da Economia, por exemplo - é importante, mas pronto, é o segundo.
Mesmo quando não é
combinado explicitamente, também entre os pais se distribuem pelouros. Nas
regras do estudo manda um e nas regras da televisão manda outro; para dar
palmadas há um com mais aptidão, mas para neutralizar as birras recorre-se ao
mais pacífico; nas conversas sobre temas existenciais, depende dos temas;
quando é para mandar para a cama, há sempre um que tem a palavra final e para
as doenças há o pai que fala com o médico de forma racional e o outro
encarregado dos mimos; também no que toca à generosidade há o mãos-largas e o
forreta.
Se cada um souber o
seu lugar e se estiverem os dois dispostos a ceder e a negociar, a criança lá
vai sendo educada; se não souberem, a criança prepara motins diários e a
principal missão dos pais deixa de ser educar e passa a ser a manutenção da
ordem doméstica. Instala-se o estado de sítio, portanto.
Ora para evitar a
anarquia é por isso importante que os pais entrem em negociações e cedências
permanentes. Estafante, é verdade, mas numa coligação nada é fácil.
Quando os pais
discutem sobre os seus pelouros, ou seja, quando o pai das regras do estudo
quer proibir a criança de jogar computador porque ela teve negativa a
Matemática e outro está contra, os pais entram em conversações. E o melhor é
fazer como os ministros que se fecham em Conselho de Ministros e só sai cá para
fora o que interessa que se saiba. Também os pais devem conversar à porta
fechada até chegarem a um entendimento e só depois comunicar à criança se ela
pode ou não jogar computador apesar da negativa a Matemática. É fundamental que
a criança não assista à discussão, porque se a decisão for em seu desfavor ela
vai fazer tudo por tudo para denunciar o acordo alcançado usando os argumentos
que a mãe ou o pai usaram em seu favor. E está tudo estragado. Deixar uma
criança assistir a uma negociação entre os pais é a mesma coisa que um governo
deixar a CGTP ou a comunicação social assistir a um Conselho de Ministros em
que se discute o corte das pensões. É convidar o caos.
Os pais, ao contrário
dos governos, não podem ser demitidos, demitir-se, romper coligações e nunca
vão a eleições. Por isso, educar filhos é trabalhar em permanente coligação
apesar das contestações, das birras e das tendências de cada um. É que nas
famílias os pais não caem, quem cai são os filhos. A alternativa é fazer como
eu: encontrar um marido que é um pai carismático, daqueles que raramente se
enganam, nunca têm dúvidas, mas confiam na sogra.
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