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5 de Outubro de 2015
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Deitou-se confuso? Acordou confuso? Calma, o país inteiro está
assim
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Foi daqueles que começou a noite de ontem a achar que era tudo
relativamente simples? Que a coligação podia chegar à maioria, que o PS estava em destroços e
ia perder o líder, que o PCP ainda podia ficar à frente do Bloco, que o
Bloco tinha uma boa votação e que o Livre, o PDR e o JPP podiam eleger e
que, já agora, a abstenção podia ter diminuído?
Pois, seja bem-vindo ao mundo real. É
que, de todas as ideias feitas das 8 da noite, só uma é que ainda estava de
pé ao início da madrugada: o extraordinário resultado do Bloco,
que ultrapassou o PCP e duplicou o número de deputados. O resto foi
reduzido a pó, ou pelo menos, deixou o estado sólido e evaporou-se com o
passar das horas.
Veja o que aconteceu às outras ideias que animaram a noite durante algumas
horas: a) a coligação venceu com seis pontos de
vantagem, mas ficou a léguas da maioria absoluta; b) o PS ficou muito longe da vitória, mas ninguém
consegue fazer nada no Parlamento sem os seus votos e o líder está a tentar
fazer dessa fraqueza uma força; c) oPCP
até ganhou um deputado, mas foi esmagado pelo Bloco; d) oPAN foi o único pequeno partido
que elegeu um deputado; e) aabstenção voltou a aumentar. Ah, e as
sondagens, que tanta gente queria crucificar na campanha, estavam na rota
certa.
E agora? Pois, isso queria eu saber. Agora, sejam bem-vindos a um regime
que tanto é parlamentar como semi-presidencialista. Coisa que já todos
sabíamos, mas de que estávamos um pouco esquecidos.
Só mais uma lembrança. Quem acertou em
cheio neste cenário foi oPresidente
da República, que, há muitos meses anda a dizer que os
partidos teriam que mostrar muita maturidade e capacidade de negociação no
pós-eleições. Eu sei que a popularidade de Cavaco Silva anda por baixo e
que o mandato está a acabar, mas este é exatamente o tipo de cenário que
ele antecipou há meses e que repetiu ao limite.
E agora? Pois, acho que já fiz esta pergunta dois parágrafos acima, mas é
natural que todos a façamos várias vezes. Agora, a coisa é tão simples
quanto complicada. Simples, porque a negociação e o compromisso são a coisa mais normal de uma
democracia parlamentar. Complicada, porque os meses que anteciparam estas
eleições e, sobretudo, o período de campanha só cavaram o fosso entre os
candidatos.
Vamos, então, a algumas pistas, que tanto podem
estar válidas por umas horas como por uns dias:
a) Todos os partidos estão neste momento a adivinhar umalegislatura que terá, no máximo, dois anos.
Este é o principal facto da noite. Dos vencedores aos vencidos, todos
assimilaram que o ciclo que se abriu ontem não deve aguentar quatro anos.
b) A coligação PSD-CDS quer continuar a governar, agora em minoria, e está disposta a negociar com o PS. Mas isso obriga a
uma mudança total de estilo – em quatro anos, Passos não negociou quase
nada – e a uma permanente capacidade de gerar compromissos no Parlamento.
c) Um palpite sobre este ponto: só um governo com uma enorme remodelação e
um fortíssimo núcleo político é que aguenta um embate destes.
Lembram-se do Cavaco de 1985 ou do Guterres de 1995? O problema é que tanto
Cavaco como Guterres vinham em rota ascendente e Passos e Portas recuaram
12% nas intenções de voto, o que lhes retira margem política.
d) António Costa surpreendeu tudo e todos ao fazer uma jogada típica do
judo. Usou o peso do adversário para tentar virar o jogo. Só o pode fazer
porque não há um candidato óbvio à sucessão e porque o PS fica numa posição charneira, podendo ajudar uma
maioria à direita ou criando condições para uma maioria à esquerda. Assim,
transformou temporariamente uma derrota estrondosa numa vitória posicional.
Aguenta nessa posição? Depende de como a citação evoluir, mas o jogo que
ontem devia ter acabado seguiu direto para prolongamento com as
substituições esgotadas.
e) A ideia de uma maioria de esquerda parece mais numérica que real. O
PS já avisou que não participa em maiorias negativas, ou seja, não deita um
governo PSD-CDS abaixo sem que haja uma solução alternativa. E isso obriga
o Bloco e o PCP a irem a um jogo negocial a que não estão habituados e onde
podem perder identidade.
Resumindo, o cenário mais provável é um governo PSD-CDS obrigado a
negociar fortemente com o PS. Se isso falhar, fica aberto o caminho a um governo minoritário socialista com apoios (ou abstenções, que
chegam e sobram) à esquerda ou à direita. Muito menos provável – porque os
programas são demasiado distantes – seria um governo PS-Bloco ou outra
variante qualquer à esquerda. Vamos ver oq eu nos dizem os próximos dias.
Para terminar, as eleições presidenciais ganharam algum peso porque o
próximo PR vai herdar uma situação política frágil e vai ter que gerir este
ciclo político, que é aparentemente mais curto.
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OUTRAS NOTÍCIAS
Sim, eu sei, que as nossas eleições são a coisa mais importante do mundo, e
que nem dá para falar do Gaitán no café e que fica mal discutir futebol num
dia destes, mas guarde dois minutos para saber algumas coisas que se
passam mundo fora (e na bola, claro) e que convém estar a par.
Primeiro a Síria, país de onde sai uma
enorme parte dos refugiados que chega à Europa e onde Putin fez uma entrada de leão sem pedir licença nem bater à
porta. E o que é que isso interessa, pergunta o leitor? Muito.
Para começar, é a primeira intervenção
russa numa
guerra fora do seu território natural (a Ucrânia ou a Georgia cabem na
“grande Rússia”) desde o velho Afeganistão. Depois, Putin defende que Assad
não deve cair. Terceiro, os aviões russos – Moscovo tem uma importante base
militar na costa síria – resolveram bombardear rebeldes sunitas que estavam
a ser financiados pelos EUA. Quarto,Washington,
Londres e Paris estão em fúria com Putin, porque, ao atacar
outros rebeldes moderados, reforça o poder do Estado Islâmico (Daesh).
Conclusão, Putin está a dizer à coligação internacional que Bashar Al-Assad tem
que fazer parte de qualquer solução para o conflito e que sem Moscovo e
Teerão – Assad, é alauíta, uma seita xiita, e domina uma país
maioritariamente sunita – ninguém resolve nada. Um problema dramático que
agora sobe de tom.
Segundo lugar para o Afeganistão, onde as ondas de
choque de um ataque americano a um hospital em Kunduz, onde
morreram 22 pessoas, não param. O ataque era, em teoria, contra
guerrilheiros taliban, mas acertou em cheio numa operação dos Médicos sem
Fronteiras. Washington vai investigar o que aconteceu, mas o embaraço é
enorme.
Em Israel, a tensão disparou
depois de vários incidentes que provocaram a morte de quatro judeus. Num
gesto sem precedentes, o governo encerrou a cidade velha de
Jerusalém a todos
os palestinianos não-residentes
Na Riviera francesa as cheias deixaram um enorme rasto
de destruição e teme-se que haja pelo menos 19 mortos em Cannes, Nice ou
Antibes.
Na Guatemala, três dia depois de
um gigantesco deslizamento de terras na aldeia de El Cambray, foram
recuperados 96 cadáveres, masainda há 300 desaparecidos.
Tem contas a ajustar com as agências de rating? Então
esteja atento a um julgamento que vai começar na cidade de Triani e que
senta no banco dos réus cinco funcionários da Standard & Poor’s e da Fitch. Os funcionários e as
agências são acusados de terem provocado prejuízos desnecessários e
injustificados a Itália em
2011 and 2012.
Ah, e enquanto votámos e contámos votos, ontem foi dia de futebol. O União da Madeira-Benfica foi
interrompido e adiado devido ao nevoeiro. O Porto ganhou ao Belenenses por
4-0 e o Sporting esmagou o Guimarães por 5-1.
Para lá do Canal da Mancha, o Mundial de râguebi prossegiu a grande ritmo, com
sucessivas lições de bem jogar e fair-play. A anfitriã Inglaterra ainda
está em estado de choque, depois de ter sido eliminada na fase de grupos
depois ao perder com a Austrália. Ontem, Argentina e Irlanda venceram com
folga e seguiram para os quartos-de-final da terceira prova desportiva mais
vista em todo o mundo.
Para quem gosta de séries televisivas ou quer esquecer a política
nacional, tem uma bela solução à sua frente. É que a semana é pródiga em estreias de séries televisivas. Leia este
artigo da última Revista do Expresso – “séries até à eternidade” -, compre pipocas e afunde-se no
sofá. Quando acordar talvez já haja governo…
FRASES
“Manifestamente não me demito”. António Costa, líder do PS, com a frase que acabou
por condicionar toda a noite eleitoral
“Portugueses não perdoariam que a sua
vontade fosse desrespeitada”. Paulo Portas, líder do CDS,
depois do discurso do líder socialista
“Catarina Martins, que é a heroína da
campanha”. Francisco Louçã, ex-porta-voz
do Bloco de Esquerda a chegar à sede do partido
O QUE EU ANDO A LER
Com a campanha acabada, peguei de novo num livro que vale a pena recordar
em momentos quentes da nossa política. Alpha Dogs, deJames Harding, é considerado
por muitos como o melhor livro sobre campanhas políticas.
Foi-me oferecido há uns anos pelo Luís Paixão Martins e conta como uma
pequena empresa de comunicação americana – a Sawyer Miller –se
transformou num sucesso global nas campanhas políticas. Quem viu algum
episódio de Mad Man, pode olhar para este Alpha Dogs como o guião base para uma
belíssima série sobre os bastidores da comunicação política, embora com
menos álcool, sexo e luxúria.
O livro devia ser lido por todos os que participam em
campanhas e
também pelos candidatos. Tem muita política americana, mas também a
fabulosa campanha de Cory Aquino nas Filipinas ou o desastre de Mario
Vargas Llosa no Peru, a luta pela democracia na Coreia do Sul ou o
inesquecível referendo que tirou do poder Pinochet,
enquanto a Sawyer Miller se transformava numa grande empresa.
Quase no fim do livro, há um episódio extraordinário que mostra bem o valor
das sondagens e estudos no mundo em que vivemos. Em 2006, a Sawyer Miller
estava a fazer trabalho de campo no Nepal, quando um dos entrevistadores
foi raptado pela guerrilha maoista.
O entrevistador foi dado como morto até ao momento em que os maoistas
fizeram um inusitado pedido de resgate: libertavam o funcionário em troca
do estudo de opinião!
A guerrilha viu naquele rapto uma oportunidade única de conhecer a opinião
da população nepalesa sobre a delicada situação política, particularmente
confusa depois de um incrível regicídio. Curiosamente, os maoistas nepaleses chegaram ao governopouco
tempo depois, embora por pouco tempo…
Hoje não garantimos notícias sobre sondagens ou maoistas (a coisa, ontem,
correu mal ao MRPP…) no Expresso Online, mas, de resto,
vai haver de tudo e em quantidade: notícias, análises, reviravoltas, é só
escolher.
O dia promete e o melhor é estar atento. Ao fim da tarde o Expresso Diário assenta
toda a poeira e traz notícias frescas, análises cuidadas e muita opinião em
primeira mão. Amanhã bem cedo o João Vieira Pereira assina o Expresso Curto depois
de um dia que promete ser muito animado. Bom dia.
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