domingo, 13 de março de 2022

DIFICILMENTE PODERIA SER PIOR - Semanário 2576 - Expresso - João Vieira Pereira

SEMANÁRIO#2576 - 11/3/22
JOÃO VIEIRA PEREIRA Dificilmente poderia ser pior Bastaram alguns dias para se perceber que a guerra na Ucrânia é já o pior conflito armado no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial. A reação algo musculada da Europa levou à tomada de decisões que pensávamos impossíveis no âmbito de uma construção europeia que nasceu para cimentar a paz. Desta vez é a guerra que está a unir grande parte do mundo no apoio a um país que também foi construído em cima de guerras e que é hoje mais nação do que alguma vez já foi. E é por isso que podemos dizer com alguma certeza que, apesar de ser difícil perceber o que vai acontecer, sabemos que vai durar muito tempo até o conflito chegar ao fim. O isolamento de Putin é algo que orgulha o Ocidente. Bruxelas, Washington ou Londres exibem as medidas destinadas a isolar e domar a fúria russa. Pela primeira vez há boicotes sucessivos contra um país global, com braços espalhados por todo o mundo e rotas comerciais há muito estabelecidas. É por isso que as medidas têm muito mais impacto do que as aplicadas à Coreia do Norte ou ao Irão, por exemplo. As empresas estão a encerrar em catadupa as suas operações naquele mercado, e nas ruas de Moscovo as grades nas montras das lojas são as únicas imagens que os russos têm da guerra. Todos os dias há medidas novas que visam impedir o financiamento da máquina de guerra. Mas permanece uma incógnita: até que ponto esta tentativa de parar as armas pela força da pressão económica irá ter sucesso? É que do outro lado está um homem que não responde perante ninguém, que já demonstrou no passado que tem tanto desrespeito pela vida dos seus como pela vida dos outros. A pressão interna não pára de aumentar e com ela a opressão. Que até agora parece estar a resultar num país envenenado pela propaganda do regime. Todos os dias há medidas novas que visam impedir o financiamento da máquina de guerra. Mas permanece uma incógnita: até que ponto esta tentativa de parar as armas pela força da pressão económica irá ter sucesso? Ao lado, no palco da guerra, as imagens trazem-nos a crueldade de um conflito que já não escolhe alvos. A morte sai à rua todos os dias, a toda a hora. E de repente há valas comuns para enterrar os mortos e há famílias inteiras estendidas no chão frio, que os abraça como se fosse a última morada que os uniu. Imagens que nos ferem a alma e nos mostram que o exército russo parece ter ordens para arrasar cidades inteiras, a mesma estratégia que usou na Síria e que lhe permitiu gritar vitória. Aos poucos vamos percebendo que afinal o poderio militar russo baseia-se na capacidade de espalhar o terror à medida que despeja bombas. Não há organização ou estratégia. As tropas mostram-se desorientadas e mal preparadas. Mas este exército, aparentemente amador e desmotivado, pertence a uma potência nuclear liderada por um tirano louco que parece não se importar com nada a não ser com a sua própria sobrevivência. Falta saber até onde está ele disposto a ir. Uma coisa é certa: para já, as sanções que visavam torná-lo mais fraco apenas o tornaram mais decidido. 2Enfrentamos hoje um choque petrolífero que nos faz recuar aos anos 70. As suas consequências serão imediatas e duradouras e vão obrigar a novas alianças, a novas estratégias e a uma nova forma de pensar. Tenha isto em atenção: um aumento do petróleo de cerca de 10 dólares custa à Europa cerca de 0,3% de crescimento do seu PIB. Em pouco tempo, os preços subiram 60 dólares por barril. É fazer as contas. Só não somos atirados de imediato para uma crise profunda porque ainda estamos a recuperar da queda abrupta do PIB causada pela pandemia de covid-19. Mas a crise espreita a qualquer momento. E, mesmo que seja possível manter taxas de crescimento positivas, vamos assistir a uma perda de capacidade de compra das famílias, fruto do aumento dos preços de todos os bens e das taxas de juro e da esperada subida do desemprego. A pressão sobre o Estado Social vai subir e será maior para países endividados, como o nosso. Todas esta situação apanha-nos sem Governo, ou com um Governo em formação, o que limita a capacidade de começar a atuar. É em alturas de crise que é necessário haver maior unidade nacional, para que se consiga caminhar no sentido correto. Chegou o momento de sentar à mesa o Governo com todos os parceiros sociais para juntos delinearem como vamos responder a este enorme desafio. Que soluções são necessárias tomar rapidamente para garantir que optamos pelas melhores escolhas? Esta é a pergunta que todos têm de fazer nesta altura. Nenhum dos caminhos será fácil, pelo que — e para não juntar aos piores cenários um aumento exponencial da contestação social — é necessário gerar consensos. E é preciso falar a verdade. Por vezes parece que aqui, neste canto da Europa, a milhares de quilómetros da guerra, tudo está na mesma. Não está. Nada ficará igual.

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