quarta-feira, 27 de abril de 2022
Guterres aterrou em Kiev com uma ideia fixa: "Temos de ser realistas"
GUERRA NA UCRÂNIA
Guterres aterrou em Kiev com uma ideia fixa: "Temos de ser realistas"
O secretário-geral da ONU saiu de Moscovo, onde teve um encontro frio com Putin, e aterrou em Kiev, onde estará esta quinta-feira com Zelensky. Falou de "realismo", apontou para um primeiro passo, o de um corredor humanitário em Mariupol, que lembra Aleppo. A situação é complicada, assumiu Guterres. Mas Guterres é engenheiro electrotécnico e, por agora, deste circuito que está montar, quer apenas ligar o primeiro fio de Moscovo a Kiev. A luz da paz é ainda muito distante
27 ABRIL 2022 21:05
André Luís Alves, em Kiev
Todos nós podemos sonhar com o fim da guerra na Ucrânia, mas a verdade é que em guerra é preciso ser muito realista. Tudo depende de detalhes. As operações têm que ser organizadas minuciosamente à priori porque as estruturas mais básicas podem não estar asseguradas, podem nem sequer funcionar e como o custo são vidas humanas a corrida é sempre contra o tempo. O secretário-geral da ONU, António Guterres, foi a Moscovo para tentar mediar “o que até agora ninguém conseguiu". "Mas temos que ser realistas”, acrescentou numa conversa com a imprensa portuguesa.
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Fecha em: 29s
Falou às câmaras, à luz do dia do topo dum hotel em Kyiv pelas sete da tarde locais, onde a primavera já se faz sentir amena. Guterres falou do seu encontro com Putin, de um modo quase informal, humilde e realista. Acompanhado por seguranças mas a céu aberto, como se precisasse do céu para respirar depois de 11 horas de viagem de carro de Carcóvia até Kyiv, antecedidas por um voo de Moscovo. E não há outra maneira, seja uma caravana humanitária ou as Nações Unidas. O tempo é o mesmo, é o limite físico deste deslocamento por terra.
“A situação na Azovstal é desumana, e estamos a tentar coordenar o que for preciso com ambas as partes para estabelecer um corredor humanitário em Mariupol”, enfatizou o secretario-geral. Afirmou também que é uma situação complicada porque ambas as forças militares dizem que esse corredor humanitário não existe por causa da outra, ou sejam atiram as culpas para o outro lado. Ora aqui António Guterres, lendo a realidade e lendo também a missão da Nações Unidas, tenta como um terceiro poder criar um consenso que facto permita o existência desse corredor - e depois para um possível cessar-fogo, mas cada passo a seu tempo. Esta quinta-feira Guterres vai-se encontrar com o presidente Zelensky, e não disse nada sobre o que lhe irá dizer porque “senão Zelensky já saberá pela comunicação social.”, disse em tom de brincadeira dando a entender que o presidente ucraniano está atento a comunicação social portuguesa.
Certamente o encontro em Moscovo foi diferente do que amanhã acontecerá com Zelenksy. A reunião de Putin com Guterres decorreu na já celebre mesa branca de vários metros. Como se Putin quisesse com uma peça de mobiliário mostrar a distância que o separa da Europa e mesmo do Ocidente. Bem ao estilo da União Soviética, ou de como em Sochi em 2007, num encontro com Merkel, Putin lhe causou desconforto por ter um cão na sala. Putin sabia que ela tinha medo de cães. O efeito desejado foi atingido - lembrando quando a personagem de Mussolini aperta a mão a Hilter, intrepertada por Charlie Chaplin no filme o Ditador. A facto de Mousslini ser muito mais alto e encorpado que Hilter era uma questão, e para muito decisiva. Os tempos mudaram mas a linguagem não verbal pouco mudou. Foi nesta mesma mesa branca que Putin recebeu o chanceler alemão, Olaf Scholz e o presidente francês Emanuel Macron. Ambas as reuniões não tiveram qualquer sucesso. O presidente Erdogan da Turquia contactou recentemente o Kremlin por telefone. Talvez um telefonema possa ser mais próximo nestes tempos.
O secretário-geral das Nações Unidas está tentar algo muito difícil e está fazê-lo sozinho, embora não isolado. Sabe que todos os passos que têm que dar para o sucesso não podem melindrar nenhum dos lados. A missão diplomática sobre a questão de Timor, enquanto primeiro-ministro de Portugal, em que conseguiu um encontro informal e assim desbloqueou algo que parecia impossível, podem ser um sinal positivo, mas o secretário-geral mantém-se expectante - ainda que se diga confiante no seu propósito.
Claro que um segundo mandato na ONU o reafirma como detentor dum potencial diplomático enorme, e dum poder estável e ponderado. A sua decisão de vir ao terreno dois meses depois do início do conflito deixou dúvidas. É certo que este conflito já matou milhares de ucranianos - e duas centenas de crianças - e que não restam dúvidas sobre o que se passou em Bucha, Irpin e se passa ainda em Mariupol. Zelensky poderia querer que Guterres tivesse ido primeiro a Kiev, mas o manual da diplomacia diz que primeiro devemos falar com o agressor, e Guterres disse isso cabalmente a Putin: “Há uma invasão de um estado soberano que viola as regras do direito internacional”. Foi muito claro nas sua palavras e manteve um discurso conciso e preciso. Tão rigoroso historicamente que Putin lhe perguntou “como sabem tanto sobre a história da União Soviética?”. Ao que Guterres respondeu: “Porque li toda a história da União Soviética.” Esta pergunta pode ser lida um bom sinal vindo do lado de Putin, demonstrando respeito pelo outro lado. Ou seja Putin queixa-se que nunca ninguém (leia-se, no Ocidente) percebe o interesse Russo ou a sua história na verdade.
Guterres falou ainda do papel importantíssimo que a Turquia está ter também na mediação deste processo. A Turquia tem aqui vários interesse e de algum modo é o único pais que a Rússia parece ouvir. Lembra-se a morte do embaixador russo em Ancara em 2016, por alguém que gritou “não esqueçam Aleppo” e depois “Allahu Akbar” ao disparar, ou o uso dos drones turcos recentemente no Nagorno-Karabach, de deram a uma vitória clara ao Azerbeijão. Também agora na Ucrânia os drones Bayraktar TB-2 estão a ser decisivos no combate contra os russos - e já há várias canções sobre estes drones na Ucrânia. Mas tal não impediu que a Rússia aceitasse iniciar negociações com a Ucrânia em Istanbul. Talvez por ambos os países serem metade ocidentais e orientais, e mesmo a Turquia fazendo para da NATO, é um parceiro natural para o diálogo com Moscovo e de Moscovo com o Ocidente. Guterres sabe de tudo isto e está tratar deste assunto com cautela e humildade - e isso referiu várias vezes durante conferência de imprensa desta quarta-feira.
António Manuel de Oliveira Guterres é engenheiro electrotécnico e por agora, deste circuito que está montar, para no futuro se acender uma semáforo verde em Mariupol, ainda nada funciona. Ligou um fio em Moscovo, ligará outro amanhã em Kyiv, depois é testar quando tudo resto estiver pronto, condensadores, resistências e bobines. E esperar no terreno que a luz de paz possa iluminar um caminho seguro para uma evacuação.
A situação em Mariupol relembra Aleppo, e a ONU não quer falhar, pois estima que pelo menos 100 mil pessoas morreram ali. Mas Guterres ainda não era secretário-geral em 2012. É esta a sua missão e está a tentar como reafirmou. O resultado é indeterminado mas está é uma missão que até agora foi impossível.
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