domingo, 17 de abril de 2022
PORTUGAL É O SEGUNDO PAÍS DA UNIÃO EUROPEIA COM MAIOR TAXA DE NATURALIZAÇÃO DE ESTRANGEIROS — SUPERADO SÓ PELA SUÉCIA. OS BRASILEIROS SÃO QUEM MAIS PEDE A NACIONALIDADE PORTUGUESA
PORTUGAL É O SEGUNDO PAÍS DA UNIÃO EUROPEIA COM MAIOR TAXA DE NATURALIZAÇÃO DE ESTRANGEIROS — SUPERADO SÓ PELA SUÉCIA. OS BRASILEIROS SÃO QUEM MAIS PEDE A NACIONALIDADE PORTUGUESA
TEXTO MARTA GONÇALVES INFOGRAFIA CARLOS ESTEVES ILUSTRAÇÃO CRISTIANO SALGADO
Num só mês, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) chegou a exigir a Samara Azevedo três documentos que provassem que estava em Portugal como estudante. Quando entregava, havia um pormenor que faltava. “Todos os anos os procedimentos para renovar a minha permissão de residência eram muito stressantes.” Tem 35 anos e já pode dizer que nasceu brasileira e que a vida a tornou também portuguesa.
Há pouco mais de um ano, Samara recebeu o cartão de cidadão português. Há cinco que vivia em Lisboa, onde chegou para fazer o mestrado e depois continuou para o doutoramento em Belas Artes. O visto de estudante fazia com que a permanência em território nacional fosse legal, tendo de renovar a permissão de residência todos os anos. Assim que preencheu os requisitos para pedir a naturalização, avançou com o processo.
“A minha situação até era relativamente tranquila porque como estudante estou sempre protegida. Pedi a nacionalidade para me livrar de todas as burocracias. Por exemplo, é muito mais fácil viajar como portuguesa.” Samara recorda um caso recente, quando teve de viajar em trabalho para os Estados Unidos. “Se tivesse apenas o passaporte brasileiro seria uma loucura. A passagem foi marcada com um mês de antecedência e o processo para os brasileiros pode demorar até três, é preciso ir a uma entrevista. Sendo cidadão da UE é só preencher um formulário.”
Os brasileiros que vivem em Portugal são a comunidade estrangeira que mais adquire a nacionalidade portuguesa. Em 2020 foram 10.109. Seguem-se os cabo-verdianos (4.701) e os guineenses (2.257). Segundo o Eurostat, nesse ano foram emitidos 32.147 documentos portugueses para estrangeiros, um valor que corresponde a uma taxa de naturalização de 5,5%, ou seja, por cada 100 estrangeiros que vivem no país, mais de cinco pedem para ser portugueses. “Agora também sou portuguesa, mas a minha brasilidade está também no meu sotaque e não desaparece porque tenho documentos novos”, diz Samara.
COMO SE É PORTUGUÊS?
“A nossa lei é particularmente bem apetrechada para acolher bem. Todas as leis de nacionalidade e aquisição de nacionalidade são nesse sentido”, diz ao Expresso João Gaspar Simões, advogado de direito administrativo. “Globalmente a nossa lei é considerada aberta e apta ao bom acolhimento de cidadãos estrangeiros.”
É nestas características que o advogado encontra uma explicação para o facto de Portugal estar tão destacado nesta matéria. A Suécia, acredita, apenas lidera porque “terá outra capacidade de resposta nos serviços administrativos”. “A nossa legislação copiou os modelos mais integracionistas que existiam. As práticas administrativas em Portugal são muitas vezes uma desgraça. Raramente os problemas cá são de lei, estão quase sempre no procedimento e prática administrativa.”
EM 2020, PORTUGAL ACEITOU OS PEDIDOS DE NACIONALIDADE A 32.147 CIDADÃOS ESTRANGEIROS. CORRESPONDE A UMA TAXA DE NATURALIZAÇÃO DE 5,5%, MAIS DO DOBRO DA MÉDIA DA UNIÃO EUROPEIA
Ser-se português é possível de duas formas: por nacionalidade originária (filhos de portugueses que nascem em território nacional ou, por exemplo, pessoas nascidas no estrangeiro e sejam filhos ou netos de portugueses com ligações à comunidade); ou por aquisição de nacionalidade (pode ser via casamento ou união de facto, por comprovativos de laços familiares ou por naturalização).
O caso de Samara é uma naturalização, tendo cumpridos requisitos de ser maior de idade, conhecedora da língua portuguesa e residente no país há mais de cinco anos. “Exige-se que as pessoas demonstrem algum tipo de conexão à sociedade, a língua e a residência são os elementos que comprovam essa conexão”, explica João Gaspar Simões.
MARINHO E MEIRINHO
Geraldo Marinho, 72 anos, tem uma história diferente. Está à espera que o pedido de nacionalidade originária seja aceite pelo Ministério da Justiça. “Estamos agora na fase quatro de seis”, diz ao telefone a partir de São Paulo, no Brasil. O avô de Geraldo nasceu em Samil, no distrito de Bragança em 1890 — e há uma certidão de batismo dessa altura, escrita à mão pelo padre da paróquia, que comprova o laço familiar.
“Temos ligação à família Meirinho. O meu apelido, Marinho, é a versão abrasileirada do nome”, conta. Foi o filho de Geraldo, que já mora na região de Lisboa há uns anos, que descobriu o rasto familiar. No ano passado já visitaram a aldeia e esperam conseguir todos juntos voltar a repetir a viagem em setembro. “Lembro-me de o meu avô contar que veio muito pequeno para o Brasil e sempre quis regressar a Portugal, não teve oportunidade. Depois, o meu pai a mesma coisa. Agora eu, felizmente, tenho essa possibilidade e vou concretizar o sonho deles.”
O plano é quando a nacionalidade for aceite, Geraldo e a mulher reformam-se e juntam-se ao filho em Portugal. “É um país gostoso, com uma forte ligação ao Brasil. Tenho o meu filho aí e é um país de futuro.”
O pedido de nacionalidade é feito junto ao Instituto de Registos e Notariados. Pode ser feito presencialmente ou online. Os documentos necessários são entregues e depois resta apenas esperar. Ao longo de todo o processo, os requerentes podem acompanhar a evolução no site, usando o log in que lhes é atribuído pelos serviços, e, quando tudo corre bem, a única comunicação que recebem é já no final a dar conto do sucesso do pedido. “A informação disponível é muito básica, nunca sabemos bem o que está a acontecer. Se for aceite, perfeito. Mas quando não é, não se percebe bem os motivos”, critica Samara.
Quando Artemiza Almada e Santos fez o pedido para ser portuguesa, as facilidades digitais ainda não existiam. Foi em 2009 e tinha 12 anos. “Foram muitas idas à conservatória com os meus pais, muitas horas nas filas e muitas madrugadas”, recorda, hoje com 36 anos e representante da Associação Cabo-verdiana de Lisboa. Há, no entanto, algo que se mantém. “O processo continua a demorar de um ano e meio a dois anos.”
Acompanha agora muitos procedimentos de outros cabo-verdianos em Portugal. “A lei é muito objetiva e não a podemos criticar, o problema é a aplicação prática. Diariamente somos mal-informados nos serviços e, por uma série de fatores a nossa comunidade ainda tem alguma iliteracia.” Critica aquilo que define como “diferenciação de critérios” na atribuição da nacionalidade. “Porquê esta facilidade para os judeus sefarditas cuja ligação com a comunidade portuguesa se perdeu há anos, mas não há o mesmo para uma comunidade como a nossa em que a ligação é bem mais recente?”, questiona. “Somos também portugueses, vibramos pelo Cristiano Ronaldo exatamente da mesma forma.”
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