quarta-feira, 31 de maio de 2017

Nigel Farage: Portugal “tem mais 20 anos de austeridade pela frente”

Helena Cristina Coelho

O ex-líder do britânico UKIP e um dos promotores do Brexit sugere que os portugueses discutam uma eventual saída da União Europeia. Até porque, avisa Nigel Farage, "a pressão vai voltar a Portugal".

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Nigel Farage atravessa uma das salas do Hotel Palácio Estoril com o à vontade de quem se sente em casa. Numa das mãos segura um copo de vinho tinto do Douro e, debaixo do braço, leva uma pasta verde totalmente preenchida com as suas anotações. “Sabia que a primeira viagem ao estrangeiro que fiz na minha vida foi a Portugal?”, comenta num tom entusiasmado. “Foi em 1968, tinha para aí cinco anos. E lembro-me de tudo muito bem”, conta entre risos. Recorda-se da companhia da mãe, das ruas de Lisboa e de ver as senhoras de penteados armados e vistosos a passearem, de comer sardinhas, de conhecer o Algarve – “não era nada, nada do que é hoje” – e de não encontrar mais do que dois campos de golfe, desporto a que já se dedicou com mais afinco do que agora. Já voltou vezes sem conta a terras portuguesas e, esta semana, foi mais uma.

O eurodeputado britânico de 53 anos, antigo líder do partido independentista UKIP, analista político e pivot de um programa de rádio regressou a Portugal, numa viagem-relâmpago, para participar nas Conferências do Estoril, onde debateu “futuros alternativos para a Europa.” Sabe bem do que fala. Ele próprio, enquanto um dos principais defensores do Brexit, promoveu um futuro alternativo para o Reino Unido e, indiretamente, relançou a discussão sobre a União Europeia. No Parlamento Europeu, garante, vai vigiar todos os passos das negociações, nas quais espera contar com pouca oposição dos “amigos” portugueses, explicou durante a conversa com o Observador numa esplanada do hotel.

Sempre em tom ácido, entre um e outro cigarro, Farage não poupa críticas ao “fanfarrão” Jean-Claude Juncker (que já presidiu ao Parlamento Europeu), chama “ridículo” a Michel Barnier (responsável de Bruxelas pelas negociações do Brexit), recorda José Sócrates como uma “desgraça” e Durão Barroso como um “eurofanático” sem sentido de humor. Sobre Portugal, lamenta os estragos que o euro fez — e ainda pode fazer — na economia e confessa que gostaria de ver na agenda o debate sobre a saída da União Europeia. “Diz isso tudo on the record?”, perguntamos. “Claro que sim!”, reage. “Digo em público as mesmas coisas que digo em privado, porque levo a sério tudo o que digo.”

Comentava ainda agora que é muito triste ver o que uma moeda fez a um país como Portugal. O que quer dizer com isso?
Quero dizer que o euro foi um erro enorme, não fez absolutamente nada pelo país. Penso que só a Grécia conseguiu pior do que Portugal. Mas fico feliz por saber que estão a recuperar algum crescimento, penso que este ano estarão a crescer 1,7% ou perto disso, só que é a partir de uma base muito baixa. Isto porque o crescimento é medido em comparação com as performances anteriores. E em termos reais, se recuarmos a 1999, ano de nascimento do euro, e compararmos a posição de Portugal com outros países, como Espanha ou Grécia, ou com a média da zona euro, Portugal esteve muito mal.

"O Tratado de Lisboa tornou os países maiores ainda mais poderosos e não houve muita coisa a mudar desde então. E o Brexit é claramente a pior coisa que aconteceu na história do projeto da União Europeia, claro que foi"

O que sugere então que Portugal deve fazer?
Isso depende do que Portugal quer. Será que quer ser uma nação independente? Quer abraçar devidamente o conceito de democracia — o que significa estar no comando, cometendo erros, claro, mas tomando as rédeas do seu destino? Ou está feliz por ser um minúsculo satélite numa zona euro dominada pela Alemanha? A escolha é dos portugueses.

Considera então que, permanecendo na União Europeia, Portugal está condenado a viver como um simples satélite, dominado por países como a Alemanha? Não há outro caminho?
Nunca poderão ser mais do que isso, porque são muito pequenos. E a União Europeia não dá especial relevância a países pequenos. O Tratado de Lisboa tornou os países maiores ainda mais poderosos e não houve muita coisa a mudar desde então. O Brexit é claramente a pior coisa que aconteceu na história do projeto da União Europeia, claro que foi. Basta ver que a economia do Reino Unido é maior do que as economias dos 20 estados-membros mais pequenos o que, dito desta forma, é um grande acontecimento.



Os botões de punho de Nigel Farage replicam a bandeira do Reino Unido e estão recortados como um mapa. [foto Henrique Casinhas]

Mas não se arrepende de ter defendido o Brexit?
Claro que não, antes pelo contrário! E queria o mesmo para o resto da União Europeia. Eu tornei-me membro do Parlamento Europeu em 1999 e sempre achei que o Reino Unido não encaixava naquele modelo. Pela nossa história, pelo nosso sistema legal, pelas nossas relações com a Commonwealth, por tudo isso nunca achei que o Reino Unido encaixasse… Mas sempre considerei que, se o resto da União Europeia defendia este modelo, que assim fosse. Até ao tratado de Lisboa…

O que mudou?
O Tratado de Lisboa mudou totalmente a minha perspetiva sobre o projeto europeu. Acho que aquilo que aconteceu na vossa cidade foi a coisa mais desonesta a que assisti. Sócrates era o primeiro-ministro português na altura e penso que ter a Constituição europeia rejeitada em referendos e depois reimposta através do Tratado de Lisboa foi terrível. Então tornei-me opositor de todo o projeto desde essa altura.

"Penso que os comentários que [Cavaco Silva] fez na altura foram do mais nojento que já ouvi na minha vida, de total desprezo pelo processo democrático, quer os partidos de esquerda se pudessem juntar ou não"

E agora gostaria de convencer os portugueses de que sair da Europa seria uma boa decisão?
Estou a tentar fazer duas coisas. A primeira é dizer: olhem, temos sido grandes amigos há séculos, devemos continuar a ser e gostaria que Portugal assumisse uma posição para renegociar com a União Europeia de que ainda faz parte e da qual certamente ainda fará parte. Gostaria que Portugal se levantasse perante os fanfarrões como Juncker ou os ridículos como Barnier, tudo gente má, muito má, e gostaria que dissesse: porque não fazemos uma separação sensata? Porque não fazemos um acordo comercial? Porque não temos mais reciprocidade? Por isso, a primeira coisa que peço é que Portugal seja nosso amigo, nestas negociações, como tem sido connosco e nós fomos tantas vezes com os portugueses.

E a segunda coisa?
O que queria dizer é que, em 2015, havia aqui a perspetiva de uma coligação socialista-comunista…

… algo inédito no país.
Sim, mas o que foi mais revolucionário nem foi isso. O que foi, isso sim, foi o comportamento do vosso presidente. Ele praticamente disse que a democracia não importava. O importante era manter o percurso que se estava a seguir na altura.

Está a falar do antigo presidente Cavaco Silva?
Sim. Penso que os comentários que ele fez na altura foram do mais nojento que já ouvi na minha vida, de total desprezo pelo processo democrático, quer os partidos de esquerda se pudessem juntar ou não. Penso por isso que é preciso reexaminar todo este debate e questionar: o que é que Portugal quer ser?

O país não parece estar a pensar nisso neste momento.
Entre os políticos, claro que não. Já estão todos ricos! Já estão todos a fazer dinheiro… os políticos, os funcionários públicos, muitos nos media, nas grandes empresas, esses estão todos bem.

Então o que é que teria de acontecer para os portugueses mudarem de ideias? Até porque, como já comentou, a situação económica está melhor, as perspetivas são boas…
As coisas estão melhores do que antes, mas continuam más comparando com o que eram há dez anos. Temos de ser honestos: quando o ciclo se inverter e a crise voltar, como a história inevitavelmente demonstra, a pressão sobre Portugal e a Zona Euro vai voltar. Podem não ter este debate nos próximos três ou quatro anos, mas precisam pelo menos de debater este tema. O país precisa de ter uma conversa sensata sobre o que quer ser. Porque essa foi a motivação do Brexit. Foi sobre identidade, democracia, controlo de fronteiras, foi sobre todas estas coisas. E sim, Portugal tem estado muito bem mas, na verdade, a moeda pode ser uma prisão por muitos anos… O país perde o controlo da política monetária, da política de taxas de juro… Vamos ser sérios: a dívida pública portuguesa era de 127% do PIB, certo? Têm de voltar para 60%? Então têm mais 20 anos de austeridade pela frente.

"Gostaria que Portugal se levantasse perante os fanfarrões como Juncker ou os ridículos como Barnier, tudo gente má, muito má, e gostaria que dissesse: porque não fazemos uma separação sensata?"

Como é que isso é possível?
Vai ter de ser! Vai ter de ser se continuarem a seguir as regras do clube. É para fazer como dizem os alemães. Quando o ciclo se inverter, os apertos serão enormes, porque Portugal tem um problema muito grave com a dívida. E receio que os países do norte da Europa encarem isso de forma pouco amistosa. Pondo a questão a mais longo prazo: penso que seria muito melhor se fosse vocês a controlar o vosso próprio destino.

E iniciar um ‘Portugalexit’?
Eu sei que não está na agenda hoje, mas defendo fortemente que deviam, pelo menos, abrir esse debate.



Nigel Farage falou com o Observador no Hotel Palácio Estoril, antes das Conferências do Estoril onde participou num painel sobre futuros alternativos para a Europa. [foto Henrique Casinhas]

Em relação ao Brexit, está a correr de acordo com os seus planos?
Investimento direto estrangeiro em alta, mercado em alta, bolsa em alta, a libra de novo a valorizar… duas dezenas de grandes países que querem fazer acordos comerciais com o Reino Unido. Francamente, penso que as coisas não podiam estar melhor.

E concorda com os termos que Theresa May está a negociar com a Comissão Europeia para a saída?
Não sei quais são. Não faço a mínima ideia. Mas vejo o ridículo senhor Barnier e o fanfarrão Juncker a dizer que nos vão exigir 100 mil milhões de euros… são exigências ridículas! A atitude mais sensata, de gente crescida, é que o Reino Unido tenha a melhor relação possível com os seus vizinhos do lado, com um bom acordo de comércio. Mas se a União Europeia tornar isso impossível, nós simplesmente afastamo-nos. Já a senhora May, que era pela permanência na União Europeia, em princípio vai ganhar as próximas eleições como uma ‘brexiter’, o que é irónico. Pode não ganhar por muito, mas seguramente vai ganhar.

"A atitude mais sensata é que o Reino Unido tenha a melhor relação possível com os seus vizinhos do lado. Mas se a União Europeia tornar isso impossível, nós simplesmente afastamo-nos. Já a senhora May, que era pela permanência na União Europeia, em princípio vai ganhar as próximas eleições como uma ‘brexiter’, o que é irónico"

Prometeu que, se o Brexit fosse um desastre, deixaria o país…
Não vai acontecer, não vai ser um desastre! Acredito que podemos fazer do Brexit um grande sucesso. Vamos tornar-nos globais e isso é muito entusiasmante. A Europa é pequena, retrógrada e está fora de prazo, tem regulação a mais, não está a funcionar.

Não receia a fuga das empresas e dos centros financeiros para outros países com o Brexit?
Oh, por favor… eles estão a sair há anos, precisamente por causa das regras europeias. Estão a ir para Singapura, para as Bermudas… A Europa não é assim tão grande, é 15% da economia mundial. E no próximo ano vai ser 14% e depois disso 13%… Os políticos europeus estão cheios de arrogância sobre o que a Europa é. Esquecem-se que o mundo está a mudar muito, muito rapidamente. E o Brexit liberta-nos para nos envolvermos nisso. Agora se os nossos governos são inteligentes o suficiente para perceber isso, é outra conversa.

Conhece o primeiro-ministro português, António Costa?
Não. Mas conheci o novo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no outro dia. É um bom orador, muito bom, e tivemos um almoço muito agradável. Conhecemo-nos no Parlamento Europeu. Discursou sem notas, o que é impressionante. Mas conheci José Sócrates, na altura em Lisboa, e penso que ele era uma desgraça absoluta. O Tratado de Lisboa foi uma desgraça…

E de Durão Barroso, que opinião tem?
Durante dez anos estive sentado ao lado dele. Ou, durante dez anos, ele esteve sentado ao meu lado. É uma questão de perspetiva. Penso que ele não gostou muito… (risos) Ele é um eurofanático e já garantiu uma boa reforma com o Goldman Sachs. Ele foi o homem que disse um dia que a União Europeia se iria tornar num império global…

"Tento sempre ser amistoso com os meus adversários." Mesmo dirigindo-se a Juncker como um fanfarrão ou chamando ridículo a Michel Barnier? "Claro que sim! Eles são uns malandros, comportam-se como uma mafia. Mas reconheço que o Juncker até tem sentido de humor, algo que Durão Barroso nunca teve" 

Theresa May e Jeremy Corbyn deram entrevistas na noite de segunda-feira na televisão britânica. Assistiu?
Sim, vi. Penso que a senhora May foi pouco sincera. Ela é como aqueles galos que servem de catavento, que mudam conforme o vento. E ela vai ganhar estas eleições, porque está a usar a minha narrativa sobre o Brexit: “Não fazer um acordo é melhor do que fazer um mau acordo” é uma frase minha e tudo o mais.

E de Jeremy Corbyn, o que pensa?
Honestamente? Ele apareceu como sendo muito genuíno, o que ele realmente é… mas é um caso perdido.

Não é muito simpático na forma como avalia outros políticos…
Tento sempre ser amistoso com os meus adversários. Tento manter um nível razoável de conversação.

Mesmo dirigindo-se a Juncker como um fanfarrão ou chamando ridículo a Michel Barnier?
Claro que sim! Eles são uns malandros, comportam-se como uma mafia. Mas reconheço que o Juncker até tem sentido de humor, algo que Durão Barroso nunca teve. (risos

Confesso admirador de Portugal, Nigel Farage já perdeu a conta às vezes que visitou o país. A primeira aconteceu em 1968, na companhia da mãe. Elogia os produtos portugueses, como o vinho, e não dispensa os sapatos feitos em Portugal. “São os melhores” garante. [foto Henrique Casinhas]

Conheceu Donald Trump em Washington. Como avalia a sua presidência até agora?
Penso que ele enfrenta uma série de obstáculos tremendos, penso que todo o modelo político em Washington está desenhado para não ser modificado, tal como o da União Europeia. Penso que tem sido muito duro para ele, mas a recente visita dele ao estrangeiro, nove dias em viagem, correu muito bem. O discurso dele em Riade, perante 50 dos maiores líderes muçulmanos, foi muito corajoso, muito bom discurso. Parecia um estadista global de uma forma que poucas pessoas acreditavam que ele seria capaz. Ainda tenho grande fé nele, continuo a dar-lhe o meu apoio e acredito que ele vai gerar empregos e crescimento.

E quais os seus planos para o futuro?
Politicamente, continuo no Parlamento Europeu. O Brexit vai ser negociado em Bruxelas, não em Londres, e tenciono vigiar esse processo como um falcão, todos os passos desse processo, e comentar sempre que necessário. Se conseguirmos o Brexit nas condições certas, penso que a minha carreira na política está completa, o meu objetivo foi atingido. Se a senhora May fizer asneira e falharmos o Brexit, então voltarei, mais feroz do que nunca. E sim, isto é uma ameaça. (gargalhada)

Texto de Helena Cristina Coelho, fotografia de Henrique Casinhas.


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