sábado, 6 de agosto de 2022
ALERTAS OBSERVADOR _ jornal electrónico português. BLUE ORIGIN Um recorde, os 3.600km/h e a resposta aos críticos. A viagem de Mário Ferreira ao limite da Terra
BLUE ORIGIN
Um recorde, os 3.600km/h e a resposta aos críticos. A viagem de Mário Ferreira ao limite da Terra
Marta Leite Ferreira
Empresário aproveitou discurso da ida à Lua de Kennedy, criticou quem o critica e partiu para o espaço com quase 30 minutos de atraso. Mário Ferreira é oficialmente o primeiro português no espaço.
Uma tempestade abateu-se durante a madrugada sobre Corn Ranch, uma base de lançamentos de missões espaciais na cidade norte-americana de Van Horn. É quinta-feira, 4 de agosto, e preveem-se temperaturas na ordem dos 40ºC por causa de uma onda de calor que se abateu sobre o Texas. Estava tudo planeado para, 71 minutos depois de o Sol nascer, às 8h30 locais e às 14h30 de Lisboa, um marco histórico ser cumprido às portas do universo por Mário Ferreira. Mas quem espera duas décadas para cumprir um sonho espera mais 26 minutos. E, por isso, só quando as nuvens deram tréguas é que o empresário de 54 anos se tornou o primeiro português a chegar ao espaço.
Eram oito horas, 56 minutos e sete segundos da manhã, hora local, quando a missão 22 da cápsula New Shepard levantou voo no topo de um propulsor e viajou até à fronteira entre a atmosfera da Terra e o vácuo do universo. Mário Ferreira suportou uma força gravítica três vezes superior à sentida à superfície — é mesmo como se pesasse três vezes mais —, entrou em gravidade zero e flutuou no espaço, entre gargalhadas, palavrões e considerações sobre a paisagem — “Vejam lá quão escuro é”, comentou um dos tripulantes — durante três minutos. Assim que atravessou a Linha de Kárman, a 100 quilómetros de altitude em relação ao nível médio do mar, Mário Ferreira levou a nacionalidade portuguesa ao espaço — foi o primeiro de sempre, depois de 621 pessoas já terem passado pela experiência de sair (mesmo que por breves minutos) do planeta.
O momento foi captado pela mulher de Mário Ferreira, a administradora da TVI Paula Ferreira, que publicou o vídeo no Facebook e no Instagram: “O Mário já está no espaço! He made it!”, escreveu ela. Veja o conteúdo aqui.
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Em terra firme, do outro lado do oceano e a mais de 8.300 quilómetros de distância, Mário Ferreira não é apenas o “apaixonado por aventura” que a Blue Origin descreve no perfil que escreveu dos seis tripulantes da nova missão privada de turismo espacial. O dono da Pluris, que detém empresas como a Douro Azul, a TVI e a CNN Portugal, está a ser investigado por suspeitos de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais; e foi protagonista de uma polémica por ter recebido (embora já tenha renunciado ao empréstimo) 40 milhões de euros de um fundo de capitalização para ajudar empresas financeiramente afetadas pela pandemia — metade do valor disponível no programa.
Numa conferência de imprensa após a aterragem, Mário Ferreira falou sobre a experiência: “Gostei muito. Não é por ser fácil, mas por ser desafiante. Não subi todas aquelas montanhas [apontando para a exploradora Vanessa O’Brien], mas superei este desafio. O próximo passo, continuou o empresário, é viajar num dos voos orbitais da Blue Origin antes de completar 65 anos. Tem 11 anos para o fazer.
A viagem a 106 quilómetros de altitude e a mais de 3.600 km/h
Antes de partir para o espaço — numa viagem que durou 10 minutos e 20 segundos, atingiu os 106 quilómetros de altitude e chegou aos 3.603 km/h de velocidade máxima pelo caminho —, Mário Ferreira reservou uma mensagem aos críticos que recordaram as controvérsias associadas ao primeiro turista espacial português. “Parece que alguns lusitanos sofrem do problema descrito por Camões nos Lusíadas, andam ativos e preocupados com a calúnia”, escreveu o milionário nas redes sociais, prometendo no entanto mandar “um grande abraço para todos sem exceção”: “Mostrarei àqueles que quiserem ver o orgulho que tenho em ser português. Até logo”.
Nessa mesma mensagem, Mário Ferreira também se serviu das palavras proferidas há 60 anos pelo Presidente norte-americano John F. Kennedy, ainda que não mencionando o nome do chefe de Estado americano — quando Kennedy anunciou o objetivo dos Estados Unidos de chegar à Lua antes do fim da década de 60 —, para descrever o seu estado de espírito meras horas antes da viagem. “Escolhi fazê-lo não porque é fácil mas porque é um grande e difícil desafio, sei que estou preparado para o conseguir conquistar”, publicou o empresário português. É uma variação do famoso discurso de Kennedy, quando declarou: “Escolhemos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque são fáceis mas porque são difíceis”.
A experiência do empresário foi semelhante à de Alan Shepard, quando se tornou o primeiro norte-americano a chegar ao espaço — tanto que a Blue Origin escolheu o nome deste astronauta para batizar a cápsula em que Mário Ferreira viajou para o espaço. O propulsor impulsionou a nave espacial para o espaço e, enquanto ela permaneceu alguns quilómetros em altitude, o propulsor regressou a uma plataforma para ser reutilizado em viagens seguintes. Depois de três minutos em gravidade zero, a nave desceu em direção a terra firme à mercê da força gravítica e é desacelerada tanto pelo atrito como, já na fase final, por paraquedas.
O sonho de Mário Ferreira ficou assim cumprido. E pouco depois de ter chegado à superfície terrestre recebeu uma mensagem em português a parabenizá-lo pela viagem: Victor Correa Hespanha, engenheiro de produção civil e astronauta brasileiro que também viajou com a Blue Origin ao espaço, disse na transmissão em direto da empresa de Jeff Bezos:
Gostava de mandar agora uma mensagem em português. Parabéns, Mário. Estou muito feliz porque mais uma pessoa com a nossa língua foi representá-la lá em cima. Sei que várias pessoas se sentem representadas por si e este é um passo histórico, muito importante”, considerou Victor Hespanha.
E prosseguiu: “Vários brasileiros estão a lembrar-se de si, muitos portugueses e pessoas de outros países. Estamos realmente orgulhosos por si e mal posso esperar para me encontrar pessoalmente consigo para falarmos sobre essa incrível experiência. Parabéns”.
Outras cinco pessoas cumpriram-no com ele — e para duas delas, a viagem também foi mais do que uma ida ao espaço. Tal como Mário Ferreira se tornou o primeiro turista espacial português, também Sara Sabry é agora a primeira pessoa egípcia a ultrapassar a Linha de Kármán. Sara é engenheira mecânica e biomédica, fundadora da Deep Space Initiative (DSI) — uma organização sem fins lucrativos que quer aumentar a acessibilidade às investigações espaciais — e também a primeira astronauta análoga egípcia do sexo feminino.
Outra tripulante, Vanessa O’Brien, conquistou um novo recorde do Guinness à conta desta missão: Depois de ter mergulhado até ao ponto mais profundo da Terra e de ter subido até ao ponto mais alto do planeta, a chegada ao espaço faz de Vanessa O’Brien a primeira mulher a alcançar os três extremos em terra, mar e ar. Completa assim o Explorers’ Extreme Trifecta, um recorde mundial do Guinness.
Os áudios captados durante a viagem de pouco mais de 10 minutos, transmitidos em direto na emissão especial da Blue Origin, transparecem o entusiasmo dos seis turistas espaciais ao longo do percurso espacial. À conta do ruído que polui as gravações, a voz de Mário Ferreira é indistinguível das dos restantes três homens a bordo da nave — o youtuber Coby Cotton , o engenheiro Clint Kelly III e o magnata das telecomunicações Steve Young —, mas entre os gritos e gargalhadas ouviu-se uma expressão de entusiasmo com um palavrão pelo meio: “F*** yeah!”, bravejou um dos membros da tripulação.
Também quer ir ao espaço? Tem de responder a este formulário da Blue Origin
Ir ao espaço ainda é um luxo reservado aos mais ricos — para a esmagadora maioria da população, o turismo ainda não se faz longe das praias, cidades e montanhas à superfície da Terra. Mas a Blue Origin disponibiliza na página oficial o formulário que todos os candidatos devem preencher para serem considerados para a viagem.
Além dos dados pessoais e de contacto (nome, data de nascimento, morada, email e número de telemóvel), a empresa de Jeff Bezos coloca mais três perguntas pessoais: “Fala-nos de ti (em 500 caracteres ou menos)”, “Que outras aventuras notáveis já experenciou?” e “Que característica da New Shepard mais o entusiasma?”. No fim, deve também selecionar o ano em que gostaria de ir ao espaço e quantos lugares pretende comprar. Mas mesmo completando toda esta informação, o preço não é revelado: é a Blue Origin que o virá a contactar.
Este foi o formulário que Mário Ferreira também preencheu. Apesar de ter comprado inicialmente um bilhete para viajar com a Virgin Galactic, os atrasos da companhia de Richard Branson motivaram-no a aproveitar uma desistência na Blue Origin e a comprar uma nova passagem. Numa entrevista na TVI (onde também é acionista), o empresário revelou aquilo que escreveu quando lhe pediram que falasse sobre si mesmo: “Eu sou o Mário Ferreira e quero ser o primeiro português a ir ao espaço”. Tão simples quanto isso.
Se já enviou o pedido de contacto para a Blue Origin e espera agora por um telefonema do outro lado do oceano que o leve ao vácuo universal, vá preparando a carteira porque precisa de dinheiro. Mesmo muito dinheiro. Embora não se saiba quanto Mário Ferreira gastou para concretizar a viagem desta quinta-feira, os valores podem ascender aos 28 milhões de dólares. Se não os tiver, há uma alternativa mais barata: um vídeo. Ao longo de 110 segundos, a empresa de viagens espaciais explica todos os passos de uma viagem de 11 minutos desde a descolagem até ao “touchdown”, passando pelas vistas para a Terra no apogeu
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