segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Quem matou Daria Dugina: guerrilheiros russos ou uma cidadã ucraniana com a filha? OBSERVADOR.

Que Rússia e Ucrânia trocam acusações, um alegado grupo de guerrilheiros russos reclama o ataque através de um opositor russo e os serviços secretos acusam uma cidadã ucrania. O que se sabe neste momento? Depois da explosão do carro de Daria Dugina, filha do ideólogo de Vladimir Putin, a Rússia e a Ucrânia trocam acusações sobre quem seria o autor do crime. Ainda este domingo, um opositor do regime russo, Ilya Ponomarev, disse que o Exército Nacional Republicano russo tinha reivindicado o ataque. Já esta segunda-feira, o Serviço de Segurança Federal russo garantiu que a autora do crime era a cidadã ucraniana Natalya Pavlovna Vovk e que o teria feito a mando dos serviços secretos ucranianos. A Ucrânia continua a defender que não esteve envolvida no ataque. Não existe confirmação oficial de que o alegado grupo de guerrilheiros russo ou a cidadã ucraniana tenham tido qualquer intervenção nos acontecimentos. Que informações existem neste momento? A revelação de Ilya Ponomarev sobre o desconhecido Exército Nacional Republicano Ilya Ponomarev é um antigo parlamentar da Duma russa, que foi expulso por atividades “anti-Kremlin”. Em 2014, terá sido o único com assento parlamentar a votar contra a invasão da Crimeia e está desde 2016 exilado em Kiev, na Ucrânia, onde continua as suas atividades de oposição ao regime de Vladimir Putin. Petro Poroshenko concedeu a cidadania ucraniana a Ponomarev em 2019. Este domingo protagonizou mais uma dessas iniciativas ao anunciar que uma alegada milícia russa, o Exército Nacional Republicano — até agora desconhecido —, tinha reivindicado o assassinato de Daria Dugina e incitou outros grupos de ativistas e militares a juntarem-se a esta guerrilha de oposição a Putin. O ataque pretendia atingir também Alexander Dugin, mas a segunda pessoa que, alegadamente, estaria no carro não era o pai da vítima, segundo o jornal independente bielorrusso News Zerkalo. As declarações foram feitas no canal de televisão ucraniano que emite exclusivamente em russo, Utro Fevralya (Manhã de Fevereiro) — um canal criado pelo próprio Ilya Ponomarev. O antigo deputado russo é também fundador do canal noticioso Rospartisan no Telegram. É através destes canais, destinados a ouvintes russos, que Ponomarev vai mantendo a oposição ao regime e incitando a insurreição contra o Kremlin. Foi, alegadamente, através do canal Rospartisan que o Exército Nacional Republicano — “ativistas russos, militares e políticos” — contactou Ilya Ponomarev, já em abril de 2022. Agora, terá enviado o manifesto (lido depois no canal de televisão) e avisado de que algo aconteceria na noite de 20 de agosto. Ilya Ponomarev ainda acrescentou, durante a apresentação pública do grupo que quer libertar a Rússia: “Esta ação, como muitas outras ações partidárias de impacto direto cometidas no território da Rússia nos últimos meses, foi levada a cabo pelo Exército Republicano Nacional”. O manifesto do grupo, onde não é explícito o ataque a Daria Dugina, fala em punir os oligarcas e outros que apoiem o regime de Putin e a guerra. No entanto, não foi possível confirmar a autoria do alegado documento, de acordo com o jornal The Guardian. Manifesto lido por Ponomarev no canal Utro Fevralya (tradução livre): Nós, ativistas russos, militares e políticos, agora partidários e combatentes do “Exército Nacional Republicano”, banimos os belicistas, ladrões e opressores dos povos da Rússia! Declaramos o presidente Putin, o usurpador do poder e o criminoso de guerra que alterou a Constituição, desencadeou uma guerra fratricida entre os povos eslavos e enviou soldados russos à morte certa e sem sentido. Pobreza e caixões para alguns, palácios para outros são a essência da sua política. Acreditamos que as pessoas sem privilégios têm o direito de se rebelar contra os tiranos. Putin será deposto e destruído por nós! O nosso objetivo é parar a destruição da Rússia e dos seus vizinhos, parar as atividades de um punhado de empresários do Kremlin que sugaram a riqueza de nosso povo e hoje cometem crimes dentro e fora do país. Declaramos que os funcionários do governo da Federação Russa e as administrações regionais são cúmplices do usurpador — aqueles que não renunciarem aos cargos serão destruídos por nós. Declaramos que os empresários que ganham dinheiro com corrupção e em conexões com os altos cargos são traidores da Pátria e cúmplices do usurpador. Declaramos que os bens daqueles que não se arrependerem e que não falarem publicamente contra este governo e a sua guerra, e eles próprios, serão destruídos por nós. Declaramos que os funcionários das forças de segurança são cúmplices do usurpador. Aqueles que não depuserem as armas e tirarem as alças dos ombros serão destruídos por nós. Declaramos que os cargos militares e os cargos de quem faz dinheiro com a guerra e a ajuda financeiramente são alvos legítimos e serão destruídos. Lembramo-nos dos bombardeamentos de casas na Rússia que levaram Putin ao poder. Sabemos que o regime não vai parar com nenhum dos crimes mais hediondos. E declaramos: só agiremos contra as pessoas deste regime. Não atacaremos alvos civis e, se as forças de segurança de Putin fizerem tais provocações e nos atribuírem as vítimas, não acreditem! Apelamos aos soldados do exército russo para que parem de atirar sobre os nossos irmãos de outros países — Geórgia, Síria e outros. Apelamos a todos os russos para se juntarem às nossas fileiras e levantarem a bandeira branco-azul-branca da nova Rússia em vez da tricolor desonrada pelo governo de Putin. Apelamos aos que estão prontos para lutar a seguir o nosso exemplo e derrubar este regime desumano, hipócrita e contra o povo! Consideramos inaceitável que os russos tenham começado a ser difamados em todo o mundo por causa de crimes de guerra cometidos por aqueles que não têm nacionalidade nem pátria, e que amam apenas o dinheiro e o poder. O mundo não é inimigo da Rússia, e a Rússia não é inimiga da humanidade, e provaremos isso com atos. Daremos proteção a todos que seguirem o nosso apelo. Todos os que ajudarem o nosso programa até que haja mudança de regime estão isentos de responsabilidade sob as leis vigentes do usurpador. Depois da nossa vitória, libertaremos imediatamente todos os que foram condenados ilegalmente pelas autoridades de Putin. Daremos liberdade a todos os povos que habitam a Rússia e construiremos uma nova sociedade — uma sociedade sem oligarcas, sem corrupção, sem arbitrariedade dos funcionários, sem pobreza humilhante. Uma sociedade em que todos são recompensados ​​de acordo com seu trabalho. Uma sociedade sem guerras e sem violência. Uma sociedade em que o poder pertencerá ao povo, onde os cidadãos escolherão seus próprios líderes e organizarão a vida das suas cidades e aldeias. Uma sociedade em que os governantes não poderão sacrificar vidas humanas pela sua própria grandeza, mas pensarão na educação, na medicina e no progresso científico. Uma sociedade na qual todos se orgulharão de ter nascido no território da Rússia e desejarão viver nele! Viva a Rússia Livre! Onde quer que estejam — lutem como nós, lutem connosco, lutem melhor do que nós! Vamos limpar a nossa pátria desta imundice! A vitória será nossa! Mantenham contacto connosco através do canal de telegrama Rospartizan. Serviço de Segurança Federal identifica cidadã ucraniana como autora do ataque O Serviço de Segurança Federal russo (FSB) terá, alegadamente, identificado a autora do crime que vitimou Daria Dugina: uma cidadã ucraniana que se encontrava acompanhada da filha de 12 anos no momento do ataque e que fugiu para a Estónia. O conselheiro presidencial ucraniano acusou a propaganda russa de viver num mundo de ficção. “Ficou estabelecido que o crime foi preparado e cometido pelos serviços especiais ucranianos. O autor do crime é uma cidadã da Ucrânia Natalya Pavlovna Vovk, nascida em 1979″, segundo o alegado comunicado citado pela agência de notícias russa RIA Novosti. Não foi, no entanto, possível confirmar de forma independente o alegado envolvimento dos serviços secretos ucranianos ou da cidadã ucraniana e a Ucrânia continua a negar qualquer ataque em solo russo. O conselheiro do Presidente ucraniano, Mykhailo Podolyak, acusou, no Twitter, a propaganda russa de viver num mundo de ficção. Em tom jocoso, diz-se admirado por o serviço secreto não ter mesmo encontrado um visto para a Estónia em nome da cidadã russa. Visto para a Estónia, não. Mas as autoridades russas dizem ter encontrado um documento de identificação da suspeita. Na fotografia, Natalya Vovk está com uma farda oficial da Guarda Nacional e o Serviço de Segurança Federal diz que pertence ao Regimento de Azov. Esta força especial nega, no entanto, que a mulher faça parte do grupo. Vladislav Zhavoronok, membro desta força especial, disse em conferência de imprensa que todos os membros do regimento foram fotografados de camuflado, não com farda de gala. A mulher pertenceria à unidade militar 3057, a julgar pela fotografia, mas será um documento antigo, provavelmente encontrado nos arquivos de Mariupol pelos ocupantes russos, disse Zhavoronok. E acrescenta: “Não há uma única combatente feminina entre os ‘azovitas'”, de acordo com o jornal online ucraniano Ukrainska Pravda. O FSB anda a pagar muito mal. Esta falsificação tem um ar muito engraçado“, gozou o combatente de Azov. “A unidade militar 3057 inclui um destacamento de forças especiais Azov, mas nem todos os funcionários da unidade militar 3057 são combatentes Azov e esta mulher não é um combatente do Regimento Azov.” De acordo com o serviço de segurança, Natalya Vovk estaria na Rússia desde 23 de julho, com a filha de 12 anos, a viver num apartamento próximo do da jornalista para a poder vigiar. No dia do ataque, a mulher e a filha também terão estado no festival de música e literatura onde Dugina foi uma das principais oradoras. A agência ainda acrescenta que a mulher e a filha fugiram depois para a Estónia e que os dados recolhidos foram entregues ao Comité de Investigação da Federação. O FSB disse que a mulher usou um Mini Cooper para chegar à Rússia e depois para fugir para a Estónia — o que dá mais de 750 quilómetros desde a região onde decorria o festival até à fronteira estónia. A agência disse que o carro teria uma matrícula com origem numa região separatista russa na Ucrânia quando entrou na Rússia, mudou para uma matrícula do Casaquistão em Moscovo e quando saiu para a Estónia já teria uma matrícula ucraniana. A agência de notícias estatal russa Tass anunciou que as autoridades russas tinham colocado Natalya Vovk na lista dos procurados e que iria pedir a extradição à Estónia. Mas o porta-voz da polícia estónia e serviços de fronteira negaram ter recebido qualquer pedido nesse sentido. Como tal, também não vão fazer comentários sobre viagens de particulares. Divulgaremos os dados de pessoas que atravessam a fronteira apenas nos casos previstos por lei e uma situação em que os serviço secreto russo acusa alguém através dos media não é um desses casos”, disse o porta-voz estónio.

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