sábado, 20 de agosto de 2022
Pescadores ucranianos retiraram duas mil pessoas de aldeia ocupada sob ameaça de atiradores, drones e helicópteros russos - OBSERVADOR
Em alguns momentos, com o frio, o rio congelou e os pescadores tiveram de partir o gelo com pás para seguir em frente. Chegaram a estar debaixo de fogo, mas não tiveram qualquer baixa.
Valas, violações e execuções — o cenário aterrorizador da aldeia de Strakholissia, no norte de Kiev, invadida pela Rússia, em 12 de março, despertou o instinto de sobrevivência dos residentes. Um grupo de pescadores e as suas companheiras retiraram, em plena luz do dia e ao longo de um mês, duas mil pessoas (essencialmente crianças, idosos e mulheres). Nos seus barcos de pesca rumaram, através do rio Dnipro, ao lado esquerdo da costa ucraniana.
Tudo começou quando uma mulher grávida, à beira do parto, apareceu à porta do pescador Oleksandr Dvorianets, a implorar ajuda para ir para um hospital — já depois da pequena aldeia piscatória sido invadida. O pescador, de 39 anos, perante a ameaça eminente de atiradores, drones e helicópteros russos, arriscou a própria vida e levou-a, no seu barco, através da fronteira natural entre a Ucrânia e a Bielorrússia, para um local seguro.
De qualquer forma, a morte era provável. Se lhes disséssemos não, quem a ajudaria? Tivemos que fazê-lo”, disse o pescador, em declarações ao jornal britânico The Telegraph, junto ao ponto de amarração do seu barco.
Nas primeiras travessias, o rio congelou e tiveram de partir o gelo com pás para seguir em frente. Outra ameaça, que igualmente poderia significar a morte, era a de serem apanhados pelos russos, o que acabou por acontecer.
É um grande rio aberto, por isso não há onde nos escondermos”, disse.
Os russos chegaram a atirar sobre o barco algumas vezes, mas os pescadores acabaram por não sofrer baixas. A partir da primeira quase falha decidiram fazer, a cada viagem, rotas alternativas, de modo a não deixar rastos na água.
Dvorianets e outros 13 pescadores deixaram de ir ao rio para pescar, substituindo a pesca pelo transportes de pessoas que fugiam da ocupação russa. Nestas vianges, que duravam cerca de 45 minutos, os pescadores transportavam essas pessoas, bem como os respetivos animais domésticos e pertences. Na volta, para os que ficavam em terra — na aldeia de Strakholissia ou nas que estavam próximas e também ocupadas — chegaram a levar e a distribuir mais de 70 toneladas de ajuda humanitária.
Todos os dias pensávamos que os russos viriam atrás de nós, mas nunca vieram”, disse Andrii Bushuiev, outro pescador, de 52 anos. “Vivíamos com medo. Não fazíamos ideia do que se seguiria porque a Rússia tentou fazer disto uma catástrofe humanitária”, acrescentou.
A última travessia ocorreu em 10 de abril, pouco antes das tropas ucranianas libertarem a aldeia e forçarem as tropas russas a retirarem-se.
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