Dez propostas para Portugal não arder
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José Miguel Cardoso Pereira, Francisco Cordovil, Tiago Oliveira,
Paulo Fernandes, Henrique Pereira dos Santos e Pedro Bingre do Amaral
15/7/2017,
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Propostas de seis especialistas para
atenuar o problema dos incêndios em Portugal, umas mais restritas e de custo
limitado, outras que exigem alterações profundas ao modo como o país está
organizado.
Os incêndios atentam contra o
património de valor inestimável que é a floresta e os espaços agrícolas e
contra as pessoas, suas habitações e bens.
Os grandes incêndios de Pedrógão
Grande e Góis mostram, mais dramaticamente do que nunca, as terríveis
consequências da nossa incapacidade para os prevenir e evitar. Já não é apenas
a proteção dos bens e da segurança civil que estão em causa. É o próprio
direito à vida.
É preciso reconhecer que temos falhado,
compreender as razões desse fracasso e agir com mais determinação, mais meios e
novas atitudes. Em síntese: este é um desafio onde não temos direito ao
conformismo pois estão em causa deveres e valores vitais da comunidade
nacional.
Mais de 80% da área total que arde em
cada ano concentra-se num pequeno número de dias de Verão. Costumam ser menos
de duas semanas, com vento de Leste a trazer tempo muito quente e seco que
favorece a rápida propagação do fogo e dificulta o combate. Em 2016, 90% dos
160 mil hectares queimados arderam na segunda semana de agosto e na primeira
semana de setembro.
Nestas épocas de incêndio, um ataque
inicial rápido e musculado aos fogos costuma ter mais de 95% de sucesso, mas o
pequeno número de fogos que se transforma em grandes incêndios acaba por
queimar uma enorme proporção de floresta e mato. Os piores anos de sempre foram
2003 e 2005. Em 2003, 1% dos incêndios foi responsável por 90% do total de 440
mil hectares queimados. Em 2005, 1% dos incêndios foi responsável por 85% do
total de 300 mil hectares queimados.
As alterações climáticas em curso vão
tornar mais frequente estes extremos de calor e secura e agravar a severidade
das épocas de incêndios. O facto de os grandes incêndios se concentrarem em
poucos dias leva a picos de atividade tão grandes que as corporações de
bombeiros não têm capacidade para proteger as populações e a floresta. Fora
destes picos de atividade, os meios de combate são subutilizados. O que fazer
para mudar esta situação?
Tal como a natureza, que age durante
todo o ano no desenvolvimento dos matos e de outra vegetação combustível,
também nós temos que agir durante todo o ano, e todos os anos, em duas áreas
complementares. Só assim, a natureza será uma aliada em vez de uma inimiga
alimentada pelo abandono e desordenamento dos espaços florestais.
A primeira área é mais estratégica e
ampla: reordenar e gerir ativamente os espaços florestais, para regenerar as
suas funções produtivas, para potenciar a sua viabilidade económica e utilidade
pública e para reduzir os incêndios. A segunda área é mais operacional e
corresponde à vertente da prevenção estrutural do Sistema Nacional de Defesa da
Floresta contra Incêndios, que tem de ser muito reforçada.
Apresentamos de seguida dez propostas
para atenuar o problema dos incêndios em Portugal. Umas são de âmbito
relativamente restrito, de custo limitado e implementáveis a curto prazo.
Outras exigem alterações mais profundas ao modo como estamos organizados e como
agimos para gerir o risco de incêndio. Acreditamos que há recursos financeiros
e competência técnica para levar por diante estas propostas. Assim haja
liderança política para transformar esta crise na oportunidade de mudança que a
sociedade exige.
Defender as populações
Propomos a criação de um programa
para a segurança dos aglomerados urbanos face ao perigo de incêndio. O programa
deverá divulgar boas práticas de construção e manutenção das habitações,
promover o delineamento as faixas de proteção das edificações e aglomerados
urbanos atendendo às circunstâncias locais e vigiar a sua efetiva
implementação. Deve também ser identificada, ou criada, em cada aglomerado
populacional uma área segura, para onde as pessoas se devem deslocar em caso de
incêndio e divulgar-se junto da população as boas práticas a seguir nessas
circunstâncias.
Atender ao perigo meteorológico para a prontidão dos bombeiros
Propomos que o nível de prontidão dos
bombeiros para o combate dependa do perigo meteorológico de incêndio. Isto
exige formação de pessoal e flexibilidade do Sistema Nacional de Defesa da
Floresta Contra Incêndios para mobilizar mais efetivos no Outono e na
Primavera, quando o nível de perigo meteorológico o justifique.
Propomos o investimento na formação
de técnicos especializados em meteorologia aplicada a incêndios e na sua
interpretação quantitativa, capazes de prever o comportamento potencial do fogo
(no Instituto Português do Mar e da Atmosfera), de fazer interpretação
operacional do comportamento de incêndios em curso, para apoio ao combate (na
Autoridade Nacional de Proteção Civil) e de fazer a interpretação operacional
do comportamento de fogos controlados e contra-fogos (no Instituto para a
Conservação da Natureza e Florestas – ICNF). Deve também integrar-se os
técnicos florestais especializados em análise de comportamento do fogo no
processo de ajuda à tomada de decisões em grandes incêndios.
Alterar normas do direito sucessório
Propomos a revisão das normas de
Direito sucessório e de cadastro de modo a estipular um prazo-limite para que,
uma vez falecido o antigo titular do património que passou a constituir a
herança, os herdeiros procedam à devida habilitação, findo o qual não tendo
sido apurados sucessíveis a herança jacente seja declarada vaga. Estipular um
prazo-limite para a resolução de partilhas, findo o qual haverá lugar a
resolução judicial das mesmas. Nos prédios rústicos em situação de herança
indivisa de dimensão igual ou inferior à da unidade de cultura, estipular a
sucessão na titularidade num único herdeiro, ficando este obrigado a compensar
os demais em dinheiro ou em bens.
Rever alguns aspetos da fiscalidade do património rústico
Propomos a revisão da fiscalidade do
património rústico de modo a refletir na tributação dos prédios rústicos as
despesas públicas na prevenção e combate a incêndios; refletir os custos de
oportunidade decorrentes do abandono, penalizando pousios expectantes nas áreas
periurbanas, que aumentam o risco para as populações; incentivar o
associativismo, o cooperativismo ou o arrendamento de prédios rústicos.
Instituir Contratos-Programa de Ordenamento e Gestão Florestal
Propomos que seja instituído um
sistema de contratos-programa entre o Estado e associações organizações e
associações de proprietários e produtores florestais que assegurem a gestão
comum de espaços florestais em zonas de minifúndio e de elevado risco de
incêndio, com prioridade para as Zonas de Intervenção Florestal existentes ou a
constituir[FC1] , de modo a incentivar de forma efetiva e duradoura as
associações de proprietários e produtores florestais ativas. As zonas de
intervenção florestal (ZIF) foram criadas a partir de 2006 e visam superar os
constrangimentos da fragmentação fundiária e do abandono, constituindo unidades
com a dimensão suficiente para uma gestão comum e sustentável. Passada uma
década, foram criadas mais de 170 ZIF, que cobrem quase um milhão de hectares.
Mas os seus resultados têm ficado muito aquém do pretendido com a sua criação e
para alterar esta situação terão que ser criados incentivos muito mais efetivos
do que até ao presente. Para serem bem-sucedidas, as ZIF devem executar tarefas
muito vastas, exigentes e complexas, só se obtendo o merecido retorno em
benefícios de natureza privada e pública a médio e longo prazos, em regra,
superiores a 20 ou 30 anos. É, pois, fundamental que os incentivos públicos à
atividade de cada ZIF, além de suficientes para cumprirem a sua missão, sejam
congregados em contratos-programa, que estabeleçam de modo coerente e
previsível esses incentivos e as modalidades de acompanhamento e avaliação da
sua utilização e resultados. Dada a imensidão desta tarefa, o seu horizonte
temporal e a diversidade de meios a mobilizar, terá que lhe corresponder uma
organização focalizada na sua concretização, capaz de mobilizar vontades e
recursos diversificados, nomeadamente no domínio das fontes de financiamento
público.
Considerar o risco de incêndio como um critério fundamental na proposta de reprogramação do PDR 2020
Propomos que o risco espacial de
incêndio seja um critério fundamental de orientação da reprogramação do Programa
de Desenvolvimento Rural para o Continente (PDR 2020), alterando para futuro o
que não esteja bem: primeiro, a dotação disponível para ação de apoio à defesa
preventiva da floresta (ação 8.1.3) parece ser muito insuficiente, pois ainda
estamos a meio do atual período de programação; segundo, a atribuição dos
apoios da ação 8.1.3 tem sido realizada nos termos da portaria n.º 134/2015,
que determinou que o risco de incêndio deixasse de ser um critério de aprovação
das candidaturas. Estas circunstâncias conduziram a que as entidades que,
apoiadas pelo PRODER (2007-2013), tinham executado a maioria das ações de
prevenção nas zonas de minifúndio afetadas por incêndios, deixassem de ser
apoiadas pelo PDR 2020, que tem destinado a maior parte dos apoios a zonas onde
o risco de incêndio é baixo.
Criar núcleos de defesa da floresta contra incêndios com base nas atividades de resinagem e silvopastorícia
Propomos a inclusão de uma medida no
PDR 2020 para financiar a defesa da floresta contra incêndios através do incentivo
às atividades de resinagem e à silvopastorícia. Não existem outras atividades
que garantam uma presença humana na floresta e nas áreas de matos tão ativa
como estas. A medida deverá prever o pagamento dos serviços de interesse
público de defesa da floresta contra incêndios a resineiros ou pastores, quando
integrados numa lógica de defesa de um território, pelo profundo conhecimento
que têm do terreno e pelo seu interesse direto na defesa da floresta e no valor
dos pastos.
Promover a coordenação supraministerial do plano nacional de defesa da floresta contra incêndios
Propomos a criação da figura de um
coordenador das políticas, das instituições e dos programas relevantes para a
gestão o risco de incêndio, sob a dependência do Primeiro-Ministro ou Presidência
do Conselho de Ministros. O coordenador assegurará a gestão do Plano Nacional
de Defesa da Floresta Contra Incêndios, a mobilização das partes interessadas e
o apoio ao desenho consistente das políticas públicas, estímulos e instrumentos
e operações, garantindo a coordenação supraministerial, suprarregional e o
equilíbrio entre os investimentos de prevenção e de combate aos incêndios. O
coordenador assegurará também as boas práticas de gestão e governação,
nomeadamente transparência, reporte de contas, avaliação e promoção de ciclos
de melhoria e revisão de processos. Definir a gestão ativa dos espaços
arborizados, de matos e agrícolas abandonados, que constituem hoje a maioria do
território, como uma prioridade política do Governo.
Promover a coordenação supramunicipal e comando e controlo operacional da prevenção
Propomos a criação de uma instituição
pública, tutelada pelo Governo, para liderar a defesa dos espaços florestais,
trabalhando com as atuais estruturas do sistema – públicas, associativas e
privadas, devendo articular-se no exercício das suas competências com o
coordenador referido na proposta anterior, nos termos que o Governo deverá
determinar de modo preciso nos instrumentos jurídicos que regularem a tutela,
orgânica, competências e integração hierárquica da instituição. Focada na
execução de tarefas de gestão de vegetação, a organização será constituída por
cerca de novecentos profissionais certificados e com funções polivalentes,
dedicados intervir anualmente sobre uma área de 120 mil hectares e a trabalhar
na floresta durante todo o ano. Com mais de 90% de operacionais – recrutados
preferencialmente entre sapadores florestais, bombeiros e militares –
contribuirá para a criação de emprego qualificado em zonas económica e
socialmente deprimidas. A criação duma instituição com estas atribuições vai,
finalmente, ao encontro do espírito e da letra da Lei de Bases de Política
Florestal, que desde há mais de 20 anos identifica a necessidade de uma
“estrutura nacional, regional e sub-regional com funções de planeamento e
coordenação das ações de prevenção e deteção e de colaboração no combate aos
incêndios florestais” (alínea d) do artigo 10.º da Lei n.º 33 de 17 de Agosto
de 1996).
Recuperar as áreas queimadas
Propomos a criação de uma estrutura
de Missão, com carácter regional e temporário, responsável por planear,
coordenar e executar todas as ações de estabilização e recuperação das áreas
afetadas pelos grandes incêndios. Desta forma e com uma escala supra-municipal,
será possível aumentar a eficácia e eficiência regional das ajudas públicas e
privadas. A médio prazo, as suas atribuições e programa operacional, serão
gradualmente transferidas para as entidades competentes (ICNF, CCDR,
municípios, etc.). A estrutura de missão elaborará um programa de recuperação,
a submeter à aprovação do Governo. Uma vez aprovado, para se garantir a sua
eficácia, todos os terrenos não agricultados incluídos na área ardida serão
submetidos ao regime florestal parcial obrigatório, ficando os proprietários e
a posterior gestão em sede de ZIF, a constituir, vinculados ao cumprimento do
programa de recuperação.
José Miguel
Cardoso Pereira, Professor,
Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa
Francisco Cordovil, Professor, ISCTE
Tiago Oliveira, Coordenador executivo da proposta técnica do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios 2005
Paulo Fernandes, Professor, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Henrique Pereira dos Santos, Arquitecto Paisagista
Pedro Bingre do Amaral, Professor no Instituto Politécnico de Coimbra
Francisco Cordovil, Professor, ISCTE
Tiago Oliveira, Coordenador executivo da proposta técnica do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios 2005
Paulo Fernandes, Professor, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Henrique Pereira dos Santos, Arquitecto Paisagista
Pedro Bingre do Amaral, Professor no Instituto Politécnico de Coimbra
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